Revista Paulista de Pediatria
versão impressa ISSN 0103-0582
Rev. paul. pediatr. vol.28 no.3 São Paulo set. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-05822010000300002
ARTIGO ORIGINAL
Medication use in Pediatrics: the practice of self-medication in children by their parents
Gabriela Colonetti BeckhauserI; Juliana Medeiros de SouzaI; Cleidson ValgasII; Anna Paula PiovezanIII; Dayani GalatoIV
IGraduada em Farmácia, Estudante do Curso de Análises Clínicas na Unisul, Florianópolis (SC), Brasil
IIMestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Coordenador do Curso de Farmácia da Unisul, Florianópolis, SC, Brasil
IIIDoutora em Farmacologia pela UFSC; Professora de Mestrado em Ciências da Saúde da Unisul, Florianópolis, SC, Brasil
IVDoutora em Química pela UFSC; Professora de Mestrado em Ciências da Saúde e Coordenadora do Nafeum da Unisul, Florianópolis, SC, Brasil
IIMestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Coordenador do Curso de Farmácia da Unisul, Florianópolis, SC, Brasil
IIIDoutora em Farmacologia pela UFSC; Professora de Mestrado em Ciências da Saúde da Unisul, Florianópolis, SC, Brasil
IVDoutora em Química pela UFSC; Professora de Mestrado em Ciências da Saúde e Coordenadora do Nafeum da Unisul, Florianópolis, SC, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: Conhecer a automedicação em crianças moradoras de uma cidade da região Sul do Brasil.
MÉTODOS: Estudo transversal com amostra selecionada por sorteio, inicialmente identificando as equipes de Estratégia Saúde da Família e, posteriormente, as residências que seriam visitadas. Foi adotado, para a entrevista com o responsável pelas crianças, um questionário para avaliar o perfil da criança, da família e da prática da automedicação. Para apresentação dos dados, adotou-se a estatística descritiva e o teste do qui-quadrado (p<0,05).
RESULTADOS: Entrevistaram-se os responsáveis pelas crianças em 83 domicílios. Foram coletadas informações de 121 crianças (seis meses a 14 anos). Dos entrevistados, 75% afirmaram já ter praticado a automedicação, sendo as mães responsáveis por 95% desses casos. Quanto às situações que motivaram a automedicação, praticidade (88%), febre (58%) e dor (12%) foram as mais relatadas. O paracetamol (45%) e a dipirona (15%) foram os fármacos mais utilizados. A análise estatística evidenciou associação entre a reutilização de antigas prescrições e a idade da criança inferior a sete anos, bem como entre a utilização de medicamentos sem prescrição de profissional habilitado e morar em domicílios com mais de quatro pessoas.
CONCLUSÕES: A automedicação é uma prática frequente na população investigada, sendo geralmente mais comum em crianças de até sete anos e realizada principalmente pelas mães; esse fato sugere a necessidade de promover educação em saúde que vise à promoção do uso racional de medicamentos.
MÉTODOS: Estudo transversal com amostra selecionada por sorteio, inicialmente identificando as equipes de Estratégia Saúde da Família e, posteriormente, as residências que seriam visitadas. Foi adotado, para a entrevista com o responsável pelas crianças, um questionário para avaliar o perfil da criança, da família e da prática da automedicação. Para apresentação dos dados, adotou-se a estatística descritiva e o teste do qui-quadrado (p<0,05).
RESULTADOS: Entrevistaram-se os responsáveis pelas crianças em 83 domicílios. Foram coletadas informações de 121 crianças (seis meses a 14 anos). Dos entrevistados, 75% afirmaram já ter praticado a automedicação, sendo as mães responsáveis por 95% desses casos. Quanto às situações que motivaram a automedicação, praticidade (88%), febre (58%) e dor (12%) foram as mais relatadas. O paracetamol (45%) e a dipirona (15%) foram os fármacos mais utilizados. A análise estatística evidenciou associação entre a reutilização de antigas prescrições e a idade da criança inferior a sete anos, bem como entre a utilização de medicamentos sem prescrição de profissional habilitado e morar em domicílios com mais de quatro pessoas.
CONCLUSÕES: A automedicação é uma prática frequente na população investigada, sendo geralmente mais comum em crianças de até sete anos e realizada principalmente pelas mães; esse fato sugere a necessidade de promover educação em saúde que vise à promoção do uso racional de medicamentos.
Palavras chaves: automedicação; criança; uso de medicamentos.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To assess self medication practice among children from a city in the Southern region of Brazil.
METHODS: This is a cross-sectional study with a random sample. Initially, Family Health Strategy teams and later the residences that would be visited were raffled. A questionnaire about children and family characteristics and self medication practices was administered to caretakers. Descriptive statistics and chi-square test (p<0.05) were used for data presentation.
RESULTS: Child caretakers were interviewed in 83 households. Data from 121 children (aged six months to 14 years) were collected. Among caretakers, 75% said they had practiced self medication; mothers accounted for 95% of these cases. As for self medication situations, convenience (88%), fever (58%) and pain (12%) were the most reported. Acetaminophen (45%) and dipyrone (15%) were the most used drugs. Statistical analysis showed an association between the reuse of old prescriptions and child's age less than seven years and between the use of drugs without prescription from a qualified professional and households with more than four people.
CONCLUSIONS: Self medication is a common practice in the surveyed population, especially among children up to seven years of age and conducted primarily by mothers, suggesting the need to develop health education aimed at promoting the rational use of medicines.
METHODS: This is a cross-sectional study with a random sample. Initially, Family Health Strategy teams and later the residences that would be visited were raffled. A questionnaire about children and family characteristics and self medication practices was administered to caretakers. Descriptive statistics and chi-square test (p<0.05) were used for data presentation.
RESULTS: Child caretakers were interviewed in 83 households. Data from 121 children (aged six months to 14 years) were collected. Among caretakers, 75% said they had practiced self medication; mothers accounted for 95% of these cases. As for self medication situations, convenience (88%), fever (58%) and pain (12%) were the most reported. Acetaminophen (45%) and dipyrone (15%) were the most used drugs. Statistical analysis showed an association between the reuse of old prescriptions and child's age less than seven years and between the use of drugs without prescription from a qualified professional and households with more than four people.
CONCLUSIONS: Self medication is a common practice in the surveyed population, especially among children up to seven years of age and conducted primarily by mothers, suggesting the need to develop health education aimed at promoting the rational use of medicines.
Key-words: self medication; child; drug utilization.
Introdução
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS)(1),
a automedicação consiste na seleção e utilização de medicamentos
isentos de prescrição (sem tarja) para tratar doenças autolimitadas
ou seus sintomas, estando inclusa no processo de autocuidado. Este
último, por sua vez, compõe-se ainda de fatores como higiene (pessoal
e geral), nutrição (tipo e qualidade do alimento ingerido), estilo
de vida (atividade física e lazer), ambiente (condições de vida e
hábitos sociais) e situação socioeconômica (renda, crenças culturais)(1).
Assim, a automedicação consiste na iniciativa de um sujeito ou de
seu responsável em usar um medicamento que poderá trazer benefícios
no tratamento de doenças ou alívio imediato de seus sintomas(2).
Dentre
as formas pelas quais a automedicação pode ser praticada, citam-se a
aquisição de medicamentos sem receita, o compartilhamento dos
medicamentos com outros integrantes da família ou círculo social, a
reutilização de sobras de medicamentos de tratamentos anteriores e a
utilização de antigas prescrições. Outras maneiras de realizá-la
ocorrem quando há o descumprimento da prescrição, prolongando ou
interrompendo precocemente o tratamento indicado(3). Destaca-se, ainda, que esta prática é influenciada por amigos, familiares e balconistas de farmácia(4).
Alguns
autores observam que a automedicação pode ser realizada de forma
responsável e benéfica quando é selecionada uma alternativa
terapêutica (isenta de prescrição) com o auxílio e orientação de
um farmacêutico para um problema de saúde autolimitado. Desse modo, a
automedicação é adequada para o problema de saúde do paciente, na
dose, concentração e tempo de tratamento adequado(5,6).
Por outro lado, a adoção inadequada dessa prática pode ocasionar
danos à saúde do paciente, como o aparecimento de efeitos
indesejáveis, agravos e mascaramento de doenças, interações
medicamentosas, erros nas doses e intoxicações(7). Esse fato torna-se particularmente relevante quando os sujeitos são crianças.
Estudo realizado por Pereira et al(8)
demonstrou que 57% das crianças ou adolescentes participantes da
pesquisa haviam sido automedicados. Reforçando essas informações,
Bricks(9) identificou o uso abusivo de medicamentos em
Pediatria, especialmente de antibióticos, analgésicos e antitérmicos,
principalmente para atuação no sistema respiratório. Outros autores(9,10)
ainda destacam que os medicamentos empregados em Pediatria muitas
vezes não possuem ações comprovadas nesse público. Morales-Carpi et al(11)
reforçam que, na maioria das vezes, os responsáveis pelas crianças
possuem informações insuficientes e incongruentes sobre os
medicamentos, mas, mesmo assim, adotam a automedicação em seus
filhos.
Diante
da importância do tema, o objetivo desta pesquisa foi conhecer o
perfil da prática de automedicação em crianças, por seus
responsáveis, em uma cidade do Sul de Santa Catarina, identificando
fatores relacionados às situações e aos motivos dessa prática.
Método
Realizou-se
um estudo transversal, baseado na técnica de entrevista com os
responsáveis pelas crianças com idade entre zero e 14 anos, em seus
respectivos domicílios. Para calcular o número de domicílios que
deveriam ser visitados, foram considerados os dados do Censo de 2000(12),
que registrou, no município de Tubarão, Santa Catarina, a existência
de 22.129 crianças nessa faixa etária. Com esse total e
considerando-se o número mínimo de uma criança por domicílio, foi
possível determinar uma amostra representativa da população estudada
igual a 114 (nível de confiança de 95%, erro amostral de 10%). Tal
valor foi adotado por entender-se que, caso esse número de domicílios
fosse visitado e mais do que uma criança residisse no mesmo, as
respostas obtidas nas entrevistas com seus responsáveis teriam sua
representatividade aumentada, uma vez que um maior número de crianças
estaria sujeito à prática da automedicação. Além disso, o valor
contém um fator de correção de 1,2, isto é, mais 20%, adotado para
corrigir possíveis perdas ou recusas.
Para
a composição da amostra, inicialmente foram sorteadas cinco das 22
unidades de Estratégia Saúde da Família (ESF) existentes no
município. Realizou-se então o contato com seus responsáveis para
obter o número de domicílios cadastrados em sua área de cobertura nos
quais residiam crianças nas condições determinadas pelo estudo. O
número calculado para a amostra de 114 domicílios foi dividido
proporcionalmente entre essas ESF por meio de sorteio, utilizando a
tabela de números aleatórios (Epi-Info 6.0)(13). Na fase
das entrevistas para coleta de dados, as residências foram visitadas
com a ajuda dos agentes de saúde das respectivas microrregiões.
Anteriormente, realizou-se um estudo piloto para a validação do
instrumento de avaliação e da forma de abordagem aplicado em
domicílios que não haviam sido sorteados para a pesquisa e, assim, os
dados não foram incluídos nos resultados do presente relato.
Da
amostra calculada, subtraíram-se 17 domicílios, nos quais os
moradores não foram encontrados em quatro visitas realizadas em
diferentes dias e períodos; outros seis, nos quais houve recusa em
participar da pesquisa; e oito nos quais os moradores haviam se
mudado. Dessa forma, a amostra final do estudo totalizou 83
domicílios.
O
instrumento de coleta de dados continha perguntas abertas e fechadas
com a finalidade de identificar o perfil das crianças pelos quais os
entrevistados eram responsáveis (idade, sexo), bem como dos
integrantes da família (escolaridade dos pais, número de pessoas no
domicílio e renda) e, principalmente, identificar a prática da
automedicação das crianças adotadas pelos mesmos (situações,
motivações, responsáveis e alternativas adotadas).
Os medicamentos levantados no estudo foram classificados segundo a Anatomical Therapeutic Chemical (ATC). Os dados foram inseridos no programa EpiData(14) e analisados no programa Epi-Info 6.0(13),
realizando-se teste do qui-quadrado para análise da associação entre
o perfil da automedicação (uso de medicamentos sem prescrição e
reutilização de antigas prescrições) e o perfil da criança ou da
família entrevistada, adotando-se a mediana para compor os grupos das
variáveis numéricas. O nível de significância estatística
pré-estabelecido foi de 5% (p<0,05).
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Resultados
Foram
realizadas entrevistas em 83 domicílios que possuíam entre dois e
sete moradores, totalizando 327 moradores (média: 3,9±1,0). O número
de crianças nesses domicílios variou de um a três com média de
1,5±0,5, somando, ao todo, 121 sujeitos com idades entre 0,5 a 14
anos (7,3±4,1), sendo 52% de meninos.
O
entrevistado, na maioria das vezes, foi representado pela mãe (82%)
ou avó (10%); nos demais casos (8%), foi representado pelo pai,
padrasto ou irmão. A renda familiar referida pelos entrevistados
variou de R$50,00 a R$3.000,00, tendo como média R$1.291,00±710,00.
Em relação à escolaridade do pai, prevaleceu o médio completo (34%)
seguido do fundamental incompleto (30%), sendo semelhante ao
resultado encontrado em relação à escolaridade da mãe: ensino médio
completo em 36% e fundamental incompleto em 35%. As ocupações mais
comuns do pai foram as assalariadas (70%), seguida por profissões
liberais (23%), com resultados similares em relação à ocupação da mãe
(classe assalariada: 46%, do lar: 36%).
Os dados relacionados ao perfil da prática da automedicação estão apresentados na Tabela 1.
Quando investigadas as maneiras de alteração de prescrição médica
(referida por 16,9%), a forma mais comum foi a redução do tempo de
tratamento (50%), seguida pela diminuição da dose (22%) ou pelo
aumento da mesma (14%), prolongamento do tempo de tratamento (7%) e
troca da ordem de horários na administração da medicação prescrita
(7%).
Os
responsáveis pela prática da automedicação são as mães (95%) e as
avós (5%). As situações, motivações, as influências e as estratégias
utilizadas na automedicação (classes farmacológicas e medicamentos)
estão descritas na Tabela 2.
Os
dados relacionados às associações entre a automedicação
(reutilização de antigas prescrições e utilização de medicamentos
sem prescrição) e o perfil das crianças, dos responsáveis e do
domicílio estão apresentados nas Tabelas 3 e 4.
Discussão
A prevalência da automedicação no mês que antecedeu a entrevista foi de 36%, semelhante àquela encontrada por Pereira et al(8)
no Estado de São Paulo, que observou 57% de automedicação em um
inquérito populacional com crianças e adolescentes. Da mesma forma,
quando avaliado o principal responsável pela automedicação, também se
identificou a mãe(8); provavelmente tal situação ocorra
pelo fato de a mãe ser a pessoa mais próxima da criança e a principal
responsável pelo cuidado dos filhos.
A
automedicação em crianças menores de sete anos merece destaque, pois
foi observado que há maior chance de reutilizar antigas prescrições (p=0,0013)
em relação às crianças mais velhas, ou seja, a automedicação
ocorre em maior prevalência nessa faixa etária. Tal fato pode ser
consequência de um acompanhamento médico mais frequente, fazendo com
que haja prescrições de medicamentos se necessário, bem como, quando
há o reaparecimento de sintomas, a mãe utilize sobras de tratamento
anteriores ou readquira os mesmos com prescrições já existentes.
Dessa forma, os dados da presente pesquisa divergem daqueles descritos por Pereira et al(8),
que demonstraram uma prevalência de consumo maior em sujeitos com
mais de sete anos. Cabe ressaltar que, dependendo do local onde os
estudos sobre utilização de medicamentos com crianças são realizados,
pode haver diferença na faixa etária de maior uso, conforme indicado
por Clavenna e Bonati(15). Um fato pertinente que pode
ter contribuído para a reutilização de medicamentos em menores de
sete anos estaria relacionado à condição fisiológica, já que,
nessa idade, as crianças estão mais propensas a desenvolverem
pequenos problemas de saúde, em especial, transtornos respiratórios(16).
Uma
parcela dos entrevistados (17%) afirmou que já alterou a prescrição
médica, sendo que a redução do tempo de tratamento foi a mais
relatada (50%), seguida da diminuição da dose (22%). Isso pode
ocorrer em função dos cuidadores identificarem melhoras nos sintomas
apresentados pelas crianças. No entanto, chama-se a atenção para essa
prática, que pode causar futuros problemas, como a resistência
bacteriana(17).
Segundo
os entrevistados, a automedicação é influenciada principalmente por
antigas orientações do médico (60%) ou por informações recebidas
em estabelecimentos farmacêuticos (27%). É importante destacar que,
nesses estabelecimentos, os farmacêuticos, após a análise das
informações do paciente (incluindo seu perfil e sintomas referidos),
devem realizar a intervenção mais adequada, incluindo a orientação
para procurar outro profissional de saúde, a recomendação de uma
terapia não-farmacológica (medidas higiênico-dietéticas) ou
farmacológica (medicamento isento de prescrição). No entanto, o
profissional farmacêutico deve acompanhar o paciente para identificar
a efetividade e a segurança do tratamento(18). Destaque-se que, segundo Vosgerau et al (19),
o farmacêutico tem papel fundamental na promoção do uso racional de
medicamentos e cabe a ele, portanto, orientar, capacitar e apoiar
ações de educação permanente dos outros membros da equipe de saúde
para que o consumo de medicamentos não-prescritos e prescritos seja
adequado e consciente.
Por
outro lado, a adoção de antigas orientações do prescritor também
pode apresentar problemas, já que nem sempre sintomas semelhantes
requerem a mesma alternativa medicamentosa(16).
O
fator que mais motivou a automedicação foi a praticidade (88%): é
mais prático ir à farmácia adquirir o medicamento do que marcar
uma consulta com o médico para a mesma finalidade. Resultados
semelhantes foram observados por Leite et al (20),
os quais observaram que, mesmo que os responsáveis tenham acesso ao
médico, optam por adotar a automedicação como primeira opção antes
de procurar os serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados.
No entanto, esse tipo de conduta pode trazer consequências como
alguns efeitos indesejáveis ou mascaramento de doenças evolutivas,
representando, portanto, um problema a ser prevenido(3). É
importante salientar que em outros estratos da população, como entre
os idosos, essa atitude também tem a praticidade como principal
motivação(5).
As
principais classes envolvidas na automedicação foram medicamentos
analgésicos e antitérmicos que atuam no sistema nervoso (75%),
representados pelo paracetamol (45%) e pela dipirona (15%), seguidos
pelo ibuprofeno (6%) e pelo ácido acetilsalicílico (3%). Tais
medicamentos são citados como os mais comuns em outros estudos(7,21,22),
o que tem relação direta com os problemas de saúde para os quais são
utilizados - neste estudo, a febre e a dor. Confirmando tais dados,
Sukiennik et al(23) demonstraram ser o paracetamol o antitérmico mais utilizado para o manejo da febre, com prevalência de 71%. Allotey et al(10),
que investigaram o uso de medicamentos sem prescrição em crianças
australianas, também verificaram que o paracetamol é a medicação
mais utilizada pelos responsáveis quando da automedicação de seus
filhos.
Quanto à febre, Wannmacher e Ferreira(24)
afirmam que esse transtorno é simplesmente uma manifestação de uma
determinada doença, sendo a defesa do organismo a uma possível
infecção. No entanto, Sukiennik et al(23)<
relatam que a febre é um dos principais motivos que resulta na
procura de atendimento médico de urgência, pois os responsáveis
acreditam na fragilidade pelo fato de o doente ser uma criança;
destacam ainda que, mesmo com orientação médica, a maioria das
crianças faz uso de doses indevidas de antitérmicos. O que torna
ainda mais preocupante essa situação é que, segundo Allotey et al(10), esse problema de saúde é o que mais leva os pais a adotarem a automedicação em seus filhos.
A
amoxicilina é um antibiótico de uso sistêmico que, neste estudo, foi
empregado na forma de automedicação. Ressalta-se que o mesmo é
tarjado e, por consequência, não deveria ser adotado nessa situação,
pois o uso desnecessário de antibióticos, além de desencadear
diversos efeitos adversos, pode possibilitar a seleção de bactérias
resistentes(17).
Neste
estudo verificou-se que não houve associação entre consumo de
medicamentos por automedicação e a escolaridade dos pais, o que
também foi verificado por Carvalho et al(3). No entanto, quando a automedicação ocorre em adultos, Vilarino et al(25)
identificaram associação entre automedicação e maior grau de
instrução. Em relação ao sexo, vários trabalhos apontam que as
mulheres adotam mais essa prática(7,25), no entanto, na Pediatria, não foi observada tal diferença(8).
O encontro de associação entre um maior número de moradores no
domicílio e a adoção da automedicação pode ser explicado pelo fato de
que, em famílias mais numerosas exista maior segurança nessa
prática, provavelmente porque outros indivíduos que a compõem tenham
passado por situações de saúde semelhantes, motivando a seleção de
uma alternativa terapêutica.
As
principais limitações da pesquisa referem-se ao tamanho
relativamente pequeno da amostra e, dessa forma, os resultados devem
ser interpretados com cautela. Contudo, destaca-se, na conclusão
deste estudo, que a automedicação em crianças é bastante relevante e
geralmente ocorre sob a responsabilidade das mães, em situações de
febre e dor, com analgésicos e antitérmicos, sendo realizada por
praticidade e por meio de antigas prescrições. Cabe ressaltar que
essa prática é significativamente maior em crianças menores de sete
anos e em domicílios com mais de quatro moradores. Portanto, este
trabalho fornece uma visão do perfil de automedicação em crianças
nessa região do Sul do Brasil.
Agradecimentos
Ao
apoio recebido da Secretária de Saúde do Município de Tubarão. Ao
coordenador das ESF por permitir que se realizasse a coleta de dados.
Às enfermeiras responsáveis pelas ESF, agentes de saúde e às
famílias que participaram da mesma, bem como às professoras Simony
Davet Müller, Silvana Cristina Trauthman e Irene Clemes Kulkamp pelas
contribuições realizadas neste trabalho.
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Endereço para correspondência:
Dayani Galato
Avenida José Acácio Moreira, 787 - Dehon
CEP 88704-900 - Tubarão/SC
E-mail: dayani.galato@unisul.br
Recebido em:21/7/09
Aprovado em:11/12/09
Fonte de financiamento: Programa Universitário de Iniciação Científica (PUIC) da Unisul
Conflito de interesse: nada a declarar
Instituição: Núcleo de Pesquisa em Atenção Farmacêutica e Estudos de Utilização de Medicamentos (Nafeum) do Curso de Farmácia da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Florianópolis, SC, Brasil
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