RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)
versão ISSN 1981-8637
RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.59 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2011
CLÍNICO CLINICAL
Differential diagnosis of hemangioma by diascopy
Fernando Luiz Goulart CruzI,*; Rodrigo Furtado de CarvalhoI; Matheus Furtado de CarvalhoI; Lígia de Araújo Ramos SalesII; Karina Lopes DevitoII
IUniversidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Odontologia. Rua José Lourenço Kelmer, s/n, Campus Universitário, São Pedro, 36036-900, Juiz de Fora, MG, Brasil
IIUniversidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Odontologia, Departamento de Clínica Odontológica. Juiz de Fora, MG, Brasil
RESUMO
O
hemangioma é uma neoplasia benigna ou um hamartoma, cuja principal
característica é a proliferação de vasos sanguíneos. Sua etiologia está
ligada a anomalias congênitas, traumas físicos, estímulos endócrinos e
inflamatórios de etiologia desconhecida. A principal queixa dos
pacientes portadores de hemangiomas é o distúrbio estético. Dependendo
do tamanho e da localização, podem ocasionar assimetria facial ou
interferir na função dos órgãos envolvidos. Quando localizadas no
assoalho da boca, essas lesões causam problemas funcionais, associados à
mastigação, deglutição e fala. Os hemangiomas devem ser distinguidos
das mucoceles, das manchas e malformações vasculares e de outros tumores
vasculares da infância. Diante desta informação, o diagnóstico
diferencial pode ser estabelecido de forma simples e segura pela
anamnese, exame clínico, e por manobras semiotécnicas, como a
vitropressão. À compressão pela lâmina de vidro, a lesão adquire
coloração pálida, diminuindo de tamanho devido ao esvaziamento vascular.
A realização de biópsia incisional não está indicada nestes casos,
devido ao risco de hemorragias. Seu tratamento é um tema muito discutido
na literatura, desde a proservação, radioterapia, eletrocoagulação,
aplicação de laser, crioterapia, cirurgia, escleroterapia até
administração de Interferon. O objetivo deste trabalho é apresentar o
relato de um caso clínico de um paciente portador dessa neoplasia na
mucosa jugal.
Termos de indexação: Diagnóstico. Hemangioma. Neoplasia.
ABSTRACT
Hemangioma
is a benign neoplasm or hamartoma whose main characteristic is blood
vessel proliferation. Its etiology is related to congenital anomalies,
physical trauma and endocrine and inflammatory stimuli of unknown
etiology. The main complaint of patients with hemangiomas is their
unsightliness. Depending on their size and location, they can cause
facial asymmetry or affect organ function. When they are located on the
floor of the mouth, these lesions cause functional mastication,
deglutition and speech problems. Hemangiomas need to be distinguished
from mucoceles, vascular stains and malformations and other childhood
vascular tumors. This information allows the differential diagnosis to
be established in a simple and safe manner by medical history, clinical
examination and simple tests, such as diascopy. When the lesion is
pressed with a glass slide, it blanches and shrinks because the blood in
the lesion is pushed out. Incisional biopsies are not indicated because
of the risk of bleeding. Treatments for hemangiomas are extensively
discussed in the literature and include radiotherapy, electrocoagulation
therapy, laser therapy, cryotherapy, surgery, sclerotherapy, interferon
therapy and follow-up. This paper presents the clinical case of a
patient with buccal hemangioma.
Indexing terms: Diagnosis. Hemangioma. Neoplasm.
INTRODUÇÃO
O
hemangioma é considerado pela Organização Mundial de Saúde como
neoplasia benigna vascular, cuja principal característica é a
proliferação de vasos sanguíneos1-4. No entanto, por aparecer
como uma anomalia de desenvolvimento, também é classificada como
hamartoma, já que está presente, na maioria dos casos, ao nascimento ou
nos primeiros anos de vida1-5.
Sua
etiologia está ligada a anomalias congênitas, traumas físicos,
estímulos endócrinos e inflamatórios de etiologia desconhecida6-7.
Chinen et al.8
realizaram um levantamento de 8.505 fichas de pacientes atendidos no
período de janeiro de 1972 a dezembro de 1990, no Serviço de
Estomatologia do Hospital Heliópolis (Heliópolis, São Paulo), no qual
foram registrados 235 casos de hemangiomas (2,76%). Foi relatada maior
prevalência no sexo feminino com maior ocorrência no lábio e seu tempo
de evolução próximo de um ano.
Sem
predileção por raça, apresenta-se como mancha ou nódulo arroxeado, cuja
coloração varia de vermelho intenso ao roxo, de acordo com a
localização e a profundidade no tecido, além do grau de congestão do
mesmo3.
O
tamanho é variável dependendo de diversos fatores que incluem, entre
outros, idade do paciente e local da lesão. Em geral, é relativamente
flácido à palpação, podendo ser circunscrito ou difuso apresentando-se
plano ou elevado, com superfície lisa ou nodular e, na maioria das
vezes, assintomático9.
Não
é uma lesão exclusiva da boca, podendo desenvolver em qualquer parte do
organismo. Mais de 50% dos hemangiomas ocorrem na região de cabeça e
pescoço10-11 sendo que na boca ocorrem principalmente nos lábios1,3,12, na língua3,13, na mucosa jugal1,3,14 e no palato1.
Na
maxila ou na mandíbula, ocorrem, ocasionalmente, hemangiomas centrais
(intraósseos), que se apresentam com aspecto radiolúcido, uni ou
multilocular, semelhante a alguns cistos15-16. Nesses casos, pode-se ter dificuldade na realização do diagnóstico diferencial2.
Histologicamente
é formado por inúmeros capilares pequenos revestidos por uma camada
única de células endoteliais sustentadas por tecido conjuntivo9.
A
sua classificação se divide em hemangioma capilar, juvenil, cavernoso e
arteriovenoso. O hemangioma capilar é o tipo mais comum, sendo mais
frequente no sexo feminino. É observado ao nascimento e prolifera-se
rapidamente. O hemangioma juvenil refere-se ao estado imaturo de um
hemangioma capilar, sendo comum na região parotídea. O hemangioma
cavernoso possui este nome devido ao grande diâmetro dos vasos
sanguíneos proliferantes, mostrando características clínicas semelhantes
ao hemangioma capilar, incluindo a ocorrência na infância e a
preferência pelo sexo feminino e pela região da cabeça e do pescoço4,9,17. Segundo Regezi & Sciubba3
não há diferença clínica significativa entre os hemangiomas capilares e
cavernosos. Já os hemangiomas arteriovenosos são malformações
vasculares causadas por uma comunicação anormal entre a circulação
arterial e venosa4.
A
principal queixa dos pacientes portadores de hemangiomas é o distúrbio
estético. Dependendo do tamanho e da localização, podem ocasionar
assimetria facial ou interferir na função dos órgãos envolvidos. Quando
localizados no assoalho da boca, essas lesões causam problemas
funcionais, associados à mastigação, deglutição e fala18.
Os
hemangiomas devem ser distinguidos das mucoceles, das manchas
vasculares, das malformações vasculares e de outros tumores vasculares
da infância19-20. Diante desta informação, o diagnóstico pode
ser estabelecido de forma simples e segura pela anamnese, exame
clínico, e por manobras semiotécnicas, como a vitropressão, que são
conclusivas na maioria dos casos14. Por se tratar de uma
lesão vascular, a realização de biópsia incisional não está indicada
nestes casos, devido ao risco de hemorragias15.
A
vitropressão é importante auxiliar no estabelecimento do diagnóstico
diferencial. À compressão pela lâmina de vidro, o hemangioma adquire
coloração pálida, diminuindo de tamanho devido ao esvaziamento vascular9.
O
tratamento de hemangiomas é um tema muito discutido na literatura,
incluindo desde a proservação, radioterapia, eletrocoagulação, aplicação
de laser, crioterapia, embolização, cirurgia, escleroterapia até
administração de Interferon21. Na ausência de transtornos, a proservação é a melhor conduta9.
Por
sua importância clínica, por ser comum e estar presente nas áreas de
atuação do cirurgião-dentista, o conhecimento dessa malformação ou
neoplasia benigna é de grande interesse.
CASO CLÍNICO
Paciente
MAA, leucoderma, sexo feminino, 61 anos, viúva, dona de casa
apresentou-se à Clínica de Semiologia Odontológica II da Faculdade de
Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, com a queixa
principal de um dente incluso: o canino superior direito.
Durante a anamnese, a paciente relatou hábitos parafuncionais como mordida de lábio inferior e rangimento dos dentes (Figura 1).
Ainda no interrogatório, a mesma informou não ser portadora de nenhuma
alteração sistêmica, declarou ser emotiva e ansiosa, e que fumava a
cerca de 40 anos.
Após
exame clínico, foram observadas cáries nos elemento 22, 37 e 47,
presença de resto radicular do elemento 36, inclusão do elemento 13 na
região de pré-maxila e no elemento 11 havia um acesso endodôntico, porém
sem tratamento do canal. Foi observada também, a presença de cálculo
dentário generalizado e manchas do tipo pápula arroxeadas na mucosa
jugal esquerda, próxima à comissura labial.
Ao
exame físico intrabucal, verificou-se na mucosa jugal esquerda, próxima
à rima bucal, cinco manchas de 5mm a 10mm de diâmetro, cuja coloração
variava de vermelho intenso ao roxo, de acordo com a localização e a
profundidade. Essa lesão apresentava-se ligeiramente elevada,
circunscrita, com bordos definidos, de superfície lisa, relativamente
flácida a palpação e assintomática (Figura 2).
Devido
às características clínicas das manchas encontradas, chegou-se à
hipótese diagnóstica de lesão de natureza vascular. Dessa forma foi
aplicado o teste de vitropressão, no qual realizou-se uma compressão por
uma lâmina de vidro (75mm de comprimento x 25mm de largura x 1mm de
espessura). Com essa manobra, a mancha adquiriu uma coloração pálida,
diminuindo de tamanho devido ao esvaziamento vascular (Figura 3). Ficou definido, assim, o diagnóstico de hemangioma.
Ao
exame radiográfico, não foram detectadas anormalidades dentárias ou
ósseas nas regiões próximas à lesão, salvo o elemento 13 que estava
incluso na região de pré-maxila e as cáries nos elementos 22, 37, 47.
Perante
a idade e ao não relato de desconforto físico e estético por parte da
paciente, optou-se pela proservação clínica da mesma. Também foi feita
uma conscientização com a paciente a fim de evitar traumas no local do
hemangioma devido ao risco de hemorragia.
Após
todo o exame clínico, o prognóstico se apresentou favorável e a
paciente foi encaminhada para as clínicas multidisciplinares da
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, a fim
de solucionar a sua queixa principal, o elemento 13 impactado.
DISCUSSÃO
A paciente não apresentava anomalias congênitas, distúrbios endócrinos ou inflamatórios. Porém, como descrito na literatura6-7,
foi identificado na paciente o hábito de morder o lábio inferior e a
mucosa jugal como um possível fator etiológico de natureza física,
envolvido na formação do hemangioma.
Estudos relatam que mais de 50% dos hemangiomas ocorrem na região de cabeça e pescoço, tendo predileção pelos lábios1,3,10-12.
Corroborando com estes estudos, o caso aqui relatado apresentou uma
lesão localizada na região de cabeça e pescoço, embora o local atingido
tenha sido a mucosa jugal e não o lábio, comumente relatado como a
região mais prevalente.
O caso apresentado ratifica o estudo de Castro2,
que relatou a possibilidade de ocorrência do hemangioma em qualquer
idade, inclusive com frequência bastante considerável em idosos, na
forma de hemangiomatose senil. Também está de acordo com Chinen et al.8, que escreveu sobre a alta prevalência dessa formação no sexo feminino.
Ao
ser questionada sobre as manchas, a paciente relatou que nunca havia
percebido a existência de tais alterações. Portanto, a história
evolutiva da lesão não pôde ser descrita.
Assim como relatado por Regezi & Sciubba3,
a lesão se apresentava como uma mancha de coloração que variava de
vermelho intenso ao roxo, de acordo com a localização e a profundidade
no tecido.
Enquadrando nas características descritas por Rocha et al.9,
a paciente apresentava uma lesão relativamente flácida à palpação,
circunscrita, com bordos definidos, de superfície lisa e assintomática.
A
localização da lesão na mucosa jugal possibilitou a manobra
semiotécnica da vitropressão pela facilidade de manipulação. Visto que
regiões como gengiva e palato dificultam esta técnica e podem induzir a
procedimentos com resultados indesejáveis, entre eles a hemorragia, que
pode constituir risco para o paciente.
Após
a vitropressão, foi constatada a coloração pálida e uma diminuição do
tamanho da lesão devido ao esvaziamento vascular, assim como preconiza
Rocha et al.9. Foi estabelecido assim, um diagnóstico simples, seguro e conclusivo14.
A decisão pela proservação do hemangioma no caso relatado nesse artigo está de acordo com pesquisas feitas por Rocha et al.9, o qual defendeu a adoção dessa conduta na ausência de transtornos relacionados à lesão.
CONCLUSÃO
Após
a revisão literária, nota-se a presença de características clássicas no
caso clínico relatado. Tais características envolvem a localização, o
aspecto clínico, o fator traumático como causa principal e a maior
prevalência em mulheres.
A
partir das características presentes na paciente, pode-se notar a
importância da vitropressão no diagnóstico diferencial das lesões de
natureza vascular, mucoceles e hemangioma. Dessa forma, foi estabelecido
um diagnóstico simples, seguro e conclusivo.
Quando
o hemagioma não prejudicar a estética ou a função dos órgãos, é
indicado a proservação do paciente, junto com uma conscientização, a fim
de evitar traumas locais acompanhados de hemorragias.
Colaboradores
FLG
CRUZ, RF CARVALHO e MF CARVALHO assistiram ao paciente relatado e
participaram da redação do artigo em todas as suas fases. LAR SALES
auxiliou no fechamento do diagnóstico do paciente e na redação do artigo
em todas as suas fases. KL DEVITO participou da redação do artigo em
todas as suas fases.
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Recebido em: 30/7/2008
Versão final reapresentada em: 14/11/2008
Aprovado em: 25/4/2009
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