RSBO (Online)
versão ISSN 1984-5685
RSBO (Online) vol.8 no.2 Joinville jun. 2011
ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA LITERATURE REVIEW ARTICLE
Oral surgery in elderly patients: clinical/surgical considerations and risk assessment
Catarina Ribeiro Barros de Alencar; Francisco Juliherme Pires de Andrade; Maria Helena Chaves de Vasconcelos Catão
Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande – Paraíba – Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
INTRODUÇÃO:
A necessidade de cirurgia oral em idosos tem sido crescente no sentido
de permitir o equilíbrio de suas funções mastigatórias, estéticas e
fonéticas, por meio da adequação dos tecidos orais para o assentamento
correto de aparelhos protéticos, repercutindo positivamente na saúde
geral do indivíduo.
OBJETIVO: Rever a literatura acerca das considerações clínicas e operatórias relevantes ao satisfatório atendimento de idosos na prática clínica rotineira, sobretudo nos casos em que o tratamento de escolha represente uma conduta cirúrgica.
REVISÃO DE LITERATURA: Na atualidade, as exodontias, as cirurgias pré-protéticas e os implantes osteointegrados são as condutas operatórias mais realizadas em pessoas idosas. Para tanto, as particularidades fisiológicas de tais casos têm de ser consideradas, com destaque para o monitoramento da pressão arterial e dos níveis glicêmicos, osteoporose, uso de medicações, entre as mais variadas condições que tornam o idoso um paciente que requer atenção especial no consultório odontológico.
CONCLUSÃO: Em virtude da fragilidade inerente aos indivíduos da terceira idade, o ato operatório nessa fase da vida reveste-se de cuidados em relação a um completo exame clínico e uma criteriosa avaliação dos riscos cirúrgicos, de maneira a analisar a conveniência da indicação cirúrgica a fim de primar pelo bem-estar do paciente.
OBJETIVO: Rever a literatura acerca das considerações clínicas e operatórias relevantes ao satisfatório atendimento de idosos na prática clínica rotineira, sobretudo nos casos em que o tratamento de escolha represente uma conduta cirúrgica.
REVISÃO DE LITERATURA: Na atualidade, as exodontias, as cirurgias pré-protéticas e os implantes osteointegrados são as condutas operatórias mais realizadas em pessoas idosas. Para tanto, as particularidades fisiológicas de tais casos têm de ser consideradas, com destaque para o monitoramento da pressão arterial e dos níveis glicêmicos, osteoporose, uso de medicações, entre as mais variadas condições que tornam o idoso um paciente que requer atenção especial no consultório odontológico.
CONCLUSÃO: Em virtude da fragilidade inerente aos indivíduos da terceira idade, o ato operatório nessa fase da vida reveste-se de cuidados em relação a um completo exame clínico e uma criteriosa avaliação dos riscos cirúrgicos, de maneira a analisar a conveniência da indicação cirúrgica a fim de primar pelo bem-estar do paciente.
Palavras-chave: Odontologia; cirurgia bucal; idoso.
ABSTRACT
INTRODUCTION:
The need for oral surgery has been considerably increasing in elderly
population in order to allow the balance of their masticatory,
aesthetic, and phonetic functions through adapting the oral tissues for
the appropriate placement of the prosthetic devices, thereby impacting
positively on the subject's health.
OBJECTIVE: This article aimed to review the literature on both clinical and surgical considerations required to the satisfactory treatment of elderly patients in clinical routine practice, focusing particularly on cases whose treatment choice is a surgical procedure.
LITERATURE REVIEW: The most commonly performed surgeries in elderly patients, nowadays, are tooth extractions, pre-prosthetic surgeries and osseointegrated implants. Therefore, the physiological features inherent to such cases should be considered, especially those that involve the monitoring of glycemic and blood pressure levels, osteoporosis, medication use, and many other conditions demanding special attention for elderly patient treatment at dental office.
CONCLUSION: Due to the fragility intrinsic to elderly individuals, the surgery at this stage of life requires caution in relation to a comprehensive clinical examination and also to a careful evaluation of the surgical risks in order to analyze the correct indication of the surgery and thereby to ensure patient's well-being.
OBJECTIVE: This article aimed to review the literature on both clinical and surgical considerations required to the satisfactory treatment of elderly patients in clinical routine practice, focusing particularly on cases whose treatment choice is a surgical procedure.
LITERATURE REVIEW: The most commonly performed surgeries in elderly patients, nowadays, are tooth extractions, pre-prosthetic surgeries and osseointegrated implants. Therefore, the physiological features inherent to such cases should be considered, especially those that involve the monitoring of glycemic and blood pressure levels, osteoporosis, medication use, and many other conditions demanding special attention for elderly patient treatment at dental office.
CONCLUSION: Due to the fragility intrinsic to elderly individuals, the surgery at this stage of life requires caution in relation to a comprehensive clinical examination and also to a careful evaluation of the surgical risks in order to analyze the correct indication of the surgery and thereby to ensure patient's well-being.
Keywords: Dentistry; oral surgery; elderly person.
Introdução
O
envelhecimento caracteriza-se por ser um processo natural e gradual,
capaz de produzir limitações e alterações no funcionamento do organismo
e tornar o sujeito mais vulnerável ao desenvolvimento de doenças [33].
A terceira idade é
formada por um grupo heterogêneo de pessoas em virtude das diferentes
experiências de vida por elas acumuladas. Existem idosos de diversos
níveis econômicos, culturais, de saúde e de motivação quanto à
manutenção da saúde bucal. Dessa forma, tais variações podem afetar a
aceitação, a realização e o sucesso do tratamento [29].
Nesse
contexto, especialidades como a geriatria e a odontogeriatria buscam
cada vez mais o aumento da expectativa de vida, mantendo-a preservada
com relativa saúde, e entendem que a fase final da vida deve ser
encarada como uma etapa que também tem seus encantos e permite uma
existência feliz e recompensadora [15].
A
Odontologia é, portanto, responsável por manter as condições de saúde
bucal satisfatórias, que proporcionem o exercício adequado das funções
mastigatória, estética e fonética, de modo a criar repercussões
positivas sobre a saúde geral e o estado psicológico do indivíduo em
idade avançada.
O
paciente idoso apresenta as mais diversas necessidades cirúrgicas,
muitas delas semelhantes às encontradas em jovens. Tais procedimentos
podem variar de simples exodontias até cirurgias maxilofaciais
complexas. Contudo a presença de doenças sistêmicas, deficiências
nutricionais e outras condições associadas ao processo de
envelhecimento tornam o paciente idoso um caso especial, que precisa de
uma visão integral em termos de tratamento médico e odontológico [11].
A indicação, a
natureza e a extensão da terapêutica cirúrgica dependem das alterações
sistêmicas do sujeito, causadas por sua condição de saúde geral, e
daquelas específicas aos tecidos bucais, geralmente decorrentes dos
efeitos colaterais das medicações utilizadas para a manutenção da sua
saúde [9].
O presente
trabalho objetiva discorrer acerca da cirurgia oral em idosos, mediante
considerações sobre o exame clínico e a avaliação do risco cirúrgico
nessa parcela da população, e das principais condutas cirúrgicas
realizadas em consultório.
Revisão de literatura
Exame clínico e avaliação do risco cirúrgico no paciente idoso
O
aspecto mais crítico das atividades cirúrgicas na terceira idade
assenta-se em uma anamnese profunda, extensa e interdisciplinar, uma vez
que a correta análise das condições sistêmicas do idoso norteará o
planejamento [8, 28].
Dessa forma, Zimmermann et al.
[40] recomendam que a anamnese seja dirigida, de modo que o
cirurgião-dentista conduza as questões e o paciente relate livre e
espontaneamente suas queixas e expectativas em relação ao tratamento.
Para
tanto, a ficha clínica constitui um documento em que o profissional
registra os dados referentes à identificação do paciente (nome, idade,
endereço, telefone, estado civil etc.), à sua história médica e
odontológica (atuais e pregressas), às informações colhidas no exame
físico e à descrição da sequência minuciosa dos procedimentos
clínicocirúrgicos efetuados [10].
Não
obstante, muitas pessoas omitem dados concernentes ao seu estado de
saúde geral no preenchimento das fichas de anamnese. Assim, os exames
laboratoriais mostram-se excelentes recursos para identificação da real
condição sistêmica do indivíduo e possuem grande utilidade na
avaliação pré-operatória em pacientes de idade avançada [23]. Com
frequência solicitam-se hemogramas completos (série branca e vermelha e
plaquetas), coagulogramas (TT, TTPa e INR) completos, teste de glicemia
em jejum, avaliação da função renal (dosagem de ureia e creatinina no
soro) e da função hepática (TGO, TGP, bilirrubina, albumina e
fosfatase alcalina) e avaliação cardiológica (eletrocardiograma e
radiografia de tórax) [36].
Andrade
e Ranali [5] afirmam que a averiguação dos sinais vitais faz parte do
exame físico e deve ser realizada na consulta inicial ou em cada
sessão de atendimento, sobretudo nos casos de portadores de doenças
cardiovasculares. Apesar de ser um procedimento muitas vezes
negligenciado, a obtenção de valores relativos ao pulso carotídeo, à
frequência respiratória, à pressão arterial e à temperatura, com o
paciente em repouso, precisa sempre constar do prontuário odontológico.
Como complementação do
diagnóstico e da avaliação pré-operatória, existem ainda as variadas
técnicas radiográficas, intra e extraorais. Ao profissional cabe
conhecer, portanto, tais técnicas radiográficas de uso em Odontologia,
as suas indicações e limitações e dominar o aspecto das imagens
resultantes, a fim de poder discernir o aspecto anatômico de um
patológico. A radiografia panorâmica destaca-se entre as técnicas mais
requeridas pelo cirurgião-dentista. É indicada para avaliação
qualitativa da situação óssea do paciente, possibilitando visualização
da maxila, da mandíbula e das estruturas circunvizinhas como um todo
[36].
Segundo Arellano
[6], a tomografia computadorizada é o método de escolha para a imagem
das estruturas ósseas, por fornecer a reprodução de uma secção do corpo
humano com finalidade diagnóstica. Na Odontologia, ela mostra-se
bastante útil para identificar e delinear processos patológicos,
visualizar dentes retidos, verificar os seios paranasais, diagnosticar
trauma, evidenciar os componentes ósseos da articulação
temporomandibular e os leitos para implantes dentários.
Esse
exame possui três vantagens gerais importantes sobre a radiografia
convencional: as informações tridimensionais são apresentadas na forma
de uma série de cortes finos da estrutura interna da parte estudada; o
sistema é mais sensível na diferenciação de tipos de tecido, de modo
que tais diferenças podem ser mais claramente demarcadas e analisadas; e
possibilidade de manipular e ajustar a imagem após ter sido completada
a varredura, como ocorre de fato com toda a tecnologia digital. Essa
última função inclui ajustes de brilho, realce de bordos e aumento de
áreas específicas. Além disso, pode-se ajustar o contraste ou a escala
de cinza, para melhor visualizar a anatomia de interesse [7].
Na
avaliação pré-operatória serão apurados também sinais e sintomas
referentes a patologias cardiovasculares, respiratórias e antecedentes
alérgicos. Ademais, em virtude da potencial existência de condições
médicas prévias no idoso, torna-se rotineira e mandatória uma consulta
com o médico do paciente, a fim de obter esclarecimentos e orientações
sobre a sua condição sistêmica [11].
Os
pacientes geriátricos, de um modo geral, requerem mais atenção do
profissional quanto ao risco de infecção, à alteração na coagulação e
cicatrização da ferida cirúrgica, à capacidade de metabolização dos
fármacos administrados e às suas interações, à sobrecarga ao aparelho
cardiocirculatório, aos fatores locais, como fragilidade óssea por
atrofias e anquiloses, e sobretudo ao estresse emocional [8].
Wahl
e Pallasch [37] destacam que uma das maiores complicações cirúrgicas
consiste no risco de endocardite bacteriana, uma infecção do endocárdio
que também acomete outras estruturas do coração, como as comunicações
interventriculares e as próteses valvares. A terapia antibiótica tem
sido indicada para preveni-la, quando indivíduos susceptíveis são
submetidos a intervenções odontológicas que ocasionem sangramento e
possibilitem a ocorrência de bacteremia transitória, ou seja, a
penetração de bactérias da microbiota bucal na corrente circulatória.
Segundo
a American Health Association [4], as condições cardiovasculares de
alto risco que exigem profilaxia antibiótica são: válvulas cardíacas
protéticas, endocardite bacteriana prévia e defeitos congênitos graves.
Consideram-se de médio risco defeitos cardíacos mais simples, febres
reumáticas ou outras disfunções valvares adquiridas, cardiopatia
hipertrófica e prolapsos de válvula mitral com regurgitação.
Preconiza-se,
portanto, a administração via oral de 2 g de amoxicilina. Nos casos
em que há impossibilidade de ingestão do medicamento, prescrevem-se 2 g
de ampicilina via intramuscular (IM) ou intravenosa (IV), ou 1 g de
cefazolina ou ceftriaxona. Para pacientes alérgicos à penicilina ou
ampicilina que conseguem engolir o remédio, a opção é receitar 2 g de
cefalexina, ou 600 mg de clindamicina ou ainda 500 mg de azitromicina ou
claritromicina. Por fim, para alérgicos à penicilina ou ampicilina
incapacitados de ingerir a medicação, deve-se optar por 1 g (IM ou IV)
de cefazolina ou ceftriaxona, ou 600 mg (IM ou IV) de clindamicina. O
regime geral de administração dos fármacos nas situações de profilaxia
antibiótica é em dose única cerca de 30 ou 60 minutos antes do
procedimento [39].
Além
desse fator complicador, as recomendações de terapêutica anticoagulante
vêm se tornando cada vez mais frequentes na prática clínica. Há até
mesmo uma grande diversidade de opiniões tanto na área médica quanto na
odontológica em relação a como realizar um tratamento odontológico
seguro em pacientes anticoagulados com derivados cumarínicos [13], sem
contar o recorrente uso de ácido acetilsalicílico (AAS) como
antiagregante plaquetário, utilizado, por exemplo, no tratamento e
controle da insuficiência cardíaca congestiva, causando hipotensão e
maior risco de hemorragia [36].
Logo,
em casos de cirurgias de maiores proporções, como extrações múltiplas,
e que envolvam retalhos extensos, a suspensão ou substituição de tais
drogas deve ser avaliada em conjunto com o médico. Contudo Dantas et al.
[13] asseguram a possibilidade do emprego de métodos hemostáticos
locais quando a administração da medicação não pode ser interrompida.
Entre os materiais com ação hemostática, os mais comuns são esponja de
gelatina reabsorvível, esponja de colágeno, celulose oxidada, bochecho
com ácido tranexâmico e selante de fibrina, todos eles com bons
resultados na hemostasia local.
Em seu estudo, Evans et al.
[14] concluíram que sujeitos usando dicumarínicos com INR (índice
normatizado internacional, referência para tempo de coagulação) menor
que 4.1 podem passar por exodontias sem alteração no tocante à
medicação. Já de acordo com Scully e Wolff [32], as exodontias a
fórceps não complicadas de um a três dentes em pacientes com INR menor
que 3.5 e sem outros fatores de risco (como ingestão de AAS, álcool ou
outras coagulopatias) associadas a hemostáticos locais são passíveis
de serem realizadas sem mudar a medicação anticoagulante.
Idosos
hipertensos (pressão arterial – PA – acima de 140 por 90 mmHg) que
necessitam de cirurgia oral devem estar em situação controlada. Caso a
PA esteja acima de 180 por 100 mmHg no momento pré-operatório, não se
recomenda o procedimento cirúrgico sem a opinião médica [22]. Não
obstante, para Little [18], se a PA estiver acima de 140 por 90 mmHg no
momento imediatamente anterior ao ato operatório, a intervenção
cirúrgica precisa ser cancelada, por causa do alto risco de acidente
vascular cerebral, além de outras coronariopatias (como angina e
infarto do miocárdio) e doença renal crônica, em função da exposição do
tecido renal durante muitos anos a altas pressões de perfusão, o que
pode acarretar fibrose crônica do parênquima renal e perda irreversível
da função desse órgão [27].
No
que tange a pacientes com diabete não compensado, infecções e
complicações vasculares, confusão mental, agitação, convulsão e morte
são capazes de ocorrer durante a cirurgia [22]. A American Diabetes
Association [3] considera diabética qualquer pessoa com glicemia de
jejum maior ou igual a 126 ml/dl, glicose casual maior ou igual a 200
ml/dl com sintomas de diabete ou glicose plasmática maior ou igual a
200 mg/ dl após duas horas de sobrecarga de glicose no TOTG (teste oral
de tolerância à glicose ou curva glicêmica). Conforme Misch [22]
devem-se postergar os procedimentos cirúrgicos planejados quando há
mais de 250 mg/dl de glicose casual. Em tal caso, é preciso buscar
apoio médico imediato.
Fora
todos esses fatores, o diagnóstico de osteoporose, comumente
estabelecido em pessoas com idade avançada, alerta para possíveis
problemas com o trabeculado ósseo e demanda maior cuidado em operações
envolvendo tecido duro, que apenas devem ser feitas quando o médico
assegurar a estabilidade do paciente [26]. Muitos são os sinais
clínicos e radiográficos que sugerem a existência de osteoporose, como
quantidade de dentes presentes – embora não haja um número estatístico
que indique tal ocorrência –, doença periodontal progressiva,
reabsorção do osso alveolar, reabsorção endosteal do córtex inferior
mandibular e pequena espessura da cortical mandibular observada em
radiografias panorâmicas. Um exame bastante apropriado para medir a
densidade mineral óssea, a densitometria óssea por meio de DXA (dual energy x-ray absorptiometry) consiste num tipo de radiação x de baixa intensidade que permite a determinação de sua massa óssea [31].
Quanto
à etapa anestésica, existe a necessidade de palpação minuciosa das
partes ósseas e moles, visto que as reabsorções ósseas, o tônus da pele
e a mucosa modificam os referenciais para os atos cirúrgicos em
idosos. O anestésico de escolha é a lidocaína a 2% com epinefrina a
1-100.000. Em procedimentos mais extensos indica-se bupivacaína a 0,5%
com epinefrina a 1.200.000 [15].
O
risco anestésico-cirúrgico depende, pois, de fatores relacionados ao
paciente, à cirurgia e à anestesia. Em relação ao primeiro, leva-se em
conta o seu estado físico. Para tanto, adota-se a classificação
proposta por Saklad em 1941 [30], considerando a mortalidade secundária
à anestesia e as condições clínicas pré-operatórias associadas. A
American Society of Anesthesiologists (ASA) aceitou a classificação,
empregada por quase todos os países [30]. Nela constam cinco
categorias:
- Grau I: paciente sem nenhum distúrbio sistêmico;
- Grau II: paciente com doença sistêmica leve a moderada;
- Grau III: paciente com distúrbio sistêmico severo, por patologia geral ou cirúrgica que limita a atividade, mas não incapacita;
- Grau IV: paciente com distúrbio sistêmico extremamente grave, com risco iminente de morte;
- Grau V: paciente moribundo que pode não sobreviver por mais do que 24 horas com ou sem cirurgia.
A
análise das patologias sistêmicas citadas (hipertensão, diabete,
osteoporose) correlaciona o risco cirúrgico à complexidade e evolução
da alteração sistêmica: quanto mais severa a disfunção sistêmica, maior
o risco do ato operatório. Na maioria das vezes, os pacientes
geriátricos atendidos na clínica odontológica podem ser enquadrados na
seguinte classificação: ASA II (doença sistêmica de leve a moderada) –
raramente os idosos não têm alguma alteração sistêmica (ASA I),
condição ideal à intervenção cirúrgica; ASA III – requerem atenção
especial e recomendase não submetê-los a procedimentos invasivos sem
que a doença sistêmica se encontre em situação controlada e após
consentimento do médico que os acompanha; e ASA IV e V – não são
favoráveis a intervenções cirúrgicas em âmbito odontológico, visto que
a adequação da sua cavidade bucal não traria benefícios imediatos a
sua condição geral, já bastante debilitada.
Destarte,
diante dos prováveis riscos das intervenções cirúrgicas em indivíduos
com idade avançada, elas devem ser realizadas sempre que possível no
próprio consultório, de maneira a evitar tensões emocionais excessivas.
Ao cirurgiãodentista compete escolher a técnica cirúrgica mais
adequada, com duração aceitável ao paciente e de preferência no período
da manhã, em razão de menor incidência de problemas cardiovasculares
nesse horário [38].
Considerações operatórias
Exodontias
A
remoção de um dente representa um dos principais procedimentos
cirúrgicos executados na clínica odontológica. No que se refere ao
idoso, reveste-se de uma vasta gama de cuidados. Segundo Howe [16], a
extração de elementos dentais nesses indivíduos pode ficar dificultada
em decorrência de anquilose óssea e maior friabilidade da estrutura
dentária, o que exige mais atenção no manejo de fórceps e elevadores.
As
indicações de exodontia em tal faixa etária estão com frequência
associadas à destruição do suporte dental, por doença periodontal, ou
às variadas necessidades protéticas. Nas exodontias simples, a técnica
cirúrgica é semelhante à adotada em jovens e atenta-se para o fato de
que as tábuas ósseas não apresentam mais a mesma elasticidade, estando,
pois, mais susceptíveis a fraturas. Nos casos de múltiplas exodontias,
o processo alveolar precisa estar adequadamente exposto em um retalho
do tipo envelope, e mostra-se oportuno fazer osteoplastias e remoção
de espículas ósseas, para promover uma anatomia mais confortável à
instalação da futura prótese [11].
No
sentido de trazer conforto ao paciente, as exodontias múltiplas devem
ser desdobradas em mais de uma etapa, sobretudo nos casos de dentes
retidos, sempre que a prática clínica permitir optar pelo
acompanhamento da evolução do caso sem adoção de uma terapia invasiva
[8]. Todavia a cirurgia de remoção de elementos inclusos visa evitar
que outras patologias se instalem, como, por exemplo, doença
periodontal, cárie, pericoronarite, formação de cistos e tumores,
reabsorção radicular, fratura de mandíbula, dor de etiologia
desconhecida e maloclusões [19]. Por isso, o profissional tem a
responsabilidade de analisar os benefícios e os prejuízos que a
intervenção venha a acarretar ao idoso.
Caso
a remoção de vários dentes seja planejada para uma única sessão, é
interessante seguir uma ordem lógica, evitando hemorragias
desnecessárias e reduzindo o tempo cirúrgico: efetuar as incisões
inicialmente no rebordo inferior e de posterior para anterior, fazer a
luxação em todos os elementos a serem retirados e executar as
exodontias de anterior para posterior. Após a curetagem e as correções
de tecidos moles e duros, proceder à hemostasia e à sutura de anterior
para posterior [11].
Cirurgias pré-protéticas
Estas
têm sido um dos atos operatórios mais exigidos pelas pessoas idosas,
uma vez que muitas próteses utilizadas com dificuldade e desconforto
poderiam ser mais bem-aceitas caso se fizessem modificações cirúrgicas
nos sítios protéticos [21]. O objetivo principal é criar estruturas de
suporte adequadas para posterior colocação de aparelhos protéticos
reabilitadores [24].
O
uso de próteses mal adaptadas é capaz de gerar uma hipermobilidade do
rebordo fibroso subjacente, mas, quando inevitáveis para promover melhor
retenção e estabilidade da prótese, sugere-se correção cirúrgica, com
uma excisão em cunha do tecido, sob anestesia local, e posterior
instalação de próteses totais / parciais, de modo que o fechamento da
ferida aconteça por um contato íntimo das bordas cruentas do tecido
mole [8].
Em casos de
necessidade de aumento, relativo ou absoluto, da altura do rebordo
alveolar por meios cirúrgicos, as vestibuloplastias podem ser a opção
terapêutica de escolha, haja vista que permitem a confecção de próteses
com os bordos mais extensos, proporcionando maior retenção e
estabilidade [1].
Tratando-se
de tecido duro, mostram-se habituais as ocorrências de espículas
ósseas, responsáveis por sensações dolorosas, ulcerações e inflamações
na mucosa sobrejacente. As exostoses geralmente ocorrem na região
vestibular posterior da maxila e apenas devem ser removidas em caso de
incômodo ao paciente, visto que podem representar uma área retentiva
adicional. Executa-se a remoção por intermédio de um retalho
mucoperiosteal e uso de brocas esféricas ou ainda de goivas e limas
para osso [24].
Para as
protuberâncias ósseas conhecidas como tórus mandibular (na mandíbula) e
palatino (no maxilar) de maneira geral não há necessidade de remoção
cirúrgica, pois a maioria delas é assintomática, a não ser que a mucosa
que as recobre seja fina e ulcere em razão do traumatismo secundário
[25]. Indica-se a remoção cirúrgica de tórus quando estes interferem
na estabilidade de uma prótese total ou parcial, quando sofrem
ulcerações frequentes pela mastigação, dificultam a articulação das
palavras ou quando o paciente sofre de cancerofobia [26].
Implantes osteointegrados
Nos
últimos anos os implantes osteointegrados assumiram grande relevância
entre a população geriátrica, uma vez que melhoram a estética e a
função. As próteses implantossuportadas conseguem prevenir a perda de
autoestima e combater o isolamento social, ambos causados pela ausência
de dentes ou pela péssima composição visual deles, possibilitando ao
indivíduo desfrutar o envelhecimento com boa qualidade de vida física,
social e psicológica [35].
Muito
embora a altura ou a largura insuficiente do osso alveolar a ser
implantado seja um problema significante para os idosos, tal condição
pode ser causada por reabsorção do osso alveolar após infecção,
extração, trauma, próteses mal adaptadas, que aceleram a reabsorção
óssea, ou ser resultado de uma aplasia. Assim, os enxertos ósseos
locais oferecem suporte viável para a correta inserção de implantes em
casos de insuficiente volume ósseo [17].
Existem
várias técnicas de enxertia com enxertos autógenos, xenógenos e
aloenxertos. O enxerto do tipo autógeno apresenta melhores resultados
para a reconstrução de rebordos maxilares e mandibulares, por possuir
características idênticas às do osso perdido – propriedades
osteogênicas, osteocondutivas e osteoindutivas –, o que minimiza a
quantidade de resposta antigênica [34].
É
possível coletar os enxertos ósseos da sínfise mandibular, do ramo
mandibular, da tuberosidade, do tórus intrabucal, da calota craniana,
da crista ilíaca e tíbia [12].
Merecem
destaque os comprometimentos sistêmicos maiores, como doenças renais e
hepáticas graves, osteoporose, osteomalacia e radioterapia, alterações
que levam à contraindicação médica do uso de implantes. Infecções
crônicas, como doença periodontal, além de não comportarem
momentaneamente o emprego de implantes, talvez impliquem dificuldades
motoras ou de motivação do sujeito em relação à sua higiene bucal.
Portanto, esse quesito precisa ser sempre avaliado com seriedade, pois é
de alto risco na manutenção futura da integridade dos implantes.
Apesar das contraindicações aos implantes, podem ser usados na grande
maioria dos pacientes, independentemente da idade [11].
Meijer et al.
[20], em investigação sobre a influência da idade da pessoa no sucesso
de overdentures inferiores retidas a implantes, evidenciaram que o
desempenho clínico das overdentures foi bem-sucedido tanto nos jovens
como nos idosos. Tal resultado leva à afirmação de que a idade não
constitui razão de exclusão de pacientes a serem tratados com implantes
bucais intraósseos.
Al Jabbari et al.
[2] asseguram que o fato de ser idoso não representa uma
contraindicação para a sobrevivência do implante por um longo tempo.
Discussão
O
primeiro contato com o paciente idoso requer uma série de cuidados por
parte do cirurgião-dentista; a este cabe fazer uma anamnese detalhada
e, por vezes, multidisciplinar, envolvendo o médico sempre que
necessário [8, 28]. Em uma ficha clínica ou prontuário o profissional
anota questões pertinentes à saúde bucal e geral do paciente [10].
Para
fechar o diagnóstico e orientar o planejamento cirúrgico do caso, é
de suma importância a solicitação de exames complementares [15], sejam
eles laboratoriais [36] ou por imagem [6, 7, 36], haja vista que em
muitos casos a pessoa em idade avançada tem alguma patologia sistêmica
assintomática que será evidenciada por exames adequados.
Ainda,
um grande número de indivíduos da terceira idade possui doenças
cardiovasculares. A avaliação dos sinais vitais é um item a ser
considerado [5], muito embora na maioria dos prontuários odontológicos
não conste tal dado.
O
contato com o médico a fim de obter esclarecimentos e informações a
respeito da condição sistêmica do paciente mostra-se imprescindível
para guiar o plano de tratamento [11]. No entanto ainda existe uma
barreira na comunicação entre profissionais da área da saúde, ou por
falta de interesse do dentista em procurar aconselhamento do médico ou
de empenho deste em colaborar com uma informação clara e objetiva sobre
a condição de saúde sistêmica do paciente. Portanto, esperase uma
interação mais efetiva entre ambos com o intuito de otimizar o
tratamento.
A
literatura é clara a respeito da fragilidade dos sujeitos geriátricos
quanto às condições decorrentes do transoperatório, em virtude das
mudanças sistêmicas fisiológicas, de complicações das mais diversas
patologias apresentadas [8], de algumas alterações no processo de
cicatrização e coagulação, de interações de remédio de uso contínuo com
os anestésicos e medicações pré, trans e pós-operatória, além do risco
elevado em relação às infecções. Dessa forma, o cirurgião-dentista
tem a incumbência de prevenir mediante profilaxia antibiótica possíveis
episódios de infecções, evitando complicações graves, como a
endocardite bacteriana [37].
O
entendimento da farmacocinética (estudo da absorção, distribuição,
biotransformação e eliminação do fármaco) é indispensável para conhecer
as alterações fisiológicas causadas pela medicação de uso contínuo,
como antiagregantes plaquetários, de maneira especial o AAS, por
promover uma quebra da cadeia hemostática normal [36]. Assim, em casos
específicos, em que o médico não recomenda a suspensão desse tipo de
remédio, os hemostáticos locais, como a esponja de gelatina
reabsorvível, esponja de colágeno, celulose oxidada, bochecho com ácido
tranexâmico e selante de fibrina, entre outros tantos, podem ser
utilizados como recurso auxiliar diante da eficiência comprovada
cientificamente [13].
Em
relação à hipertensão arterial, autores divulgam opiniões divergentes
no tocante à PA máxima, que contraindica qualquer procedimento
cirúrgico. Enquanto Misch [22] não recomenda a intervenção cirúrgica
sem a opinião médica em situações em que a PA esteja acima de 180 por
100 mmHg no momento pré-operatório, Little [18] tem uma opinião mais
cautelosa, segundo a qual a PA acima de 140 por 90 mmHg pouco antes do
procedimento cirúrgico já contraindica a cirurgia. Ante tal divergência
seria interessante solicitar ao cardiologista que acompanha o paciente
um parecer sobre as condições em que este se encontra, para indicar ou
não o processo operatório.
Alterações
endócrinas, como diabete e hipertensão arterial, tornaram-se endemia
mundial. O cirurgião-dentista precisa estar preparado para sugerir
procedimento invasivo apenas quando o indivíduo estiver com a alteração
sistêmica compensada, em níveis de glicose seguros. Essa conduta
evita o risco de infecções e complicações vasculares, a confusão
mental, a agitação, a convulsão e até mesmo a morte [22]. A American
Diabetes Association [3] informa que se devem postergar os tratamentos
planejados quando se verifica mais de 250 mg-dl de glicose casual, o
que implica buscar apoio médico imediato.
Osteopatias,
como a osteoporose, por exemplo, estão relacionadas com a atuação
odontológica no que diz respeito a intervenções cirúrgicas. De acordo
com Renon et al. [26], procedimentos operatórios envolvendo
tecido duro somente são seguros se o médico garantir a estabilidade do
paciente. Para isso existem exames especializados com o propósito de
constatar e mensurar a alteração óssea. O profissional também pode
detectar condições que indiquem a ocorrência de osteoporose, passando a
agir de maneira mais criteriosa, em benefício da saúde do seu
paciente.
No que
concerne à anestesia local em região intrabucal, o profissional deve
dispor de uma técnica minuciosa, em virtude das transformações na
mucosa oral e no tecido ósseo, oriundas do processo de envelhecimento
[15]. Ademais, é necessário atentar para as recomendações da American
Society of Anesthesiologists em relação ao risco cirúrgico, a fim de
avaliar com cuidado o conjunto paciente-cirurgia-anestesia [30], de
modo a prevenir a mortalidade secundária à anestesia e as condições
clínicas pré-operatórias associadas.
Tratando-se
de procedimentos cirúrgicos realizados em consultório odontológico no
idoso (exodontias, cirurgia pré-protética e implantes osteointegrados),
o objetivo maior dessas condutas assenta-se na reabilitação oral do
paciente, em termos funcionais, estéticos e fonéticos. No entanto
cuidados especiais precisam ser tomados, em virtude da maior
probabilidade de ocorrência de anquilose óssea e maior friabilidade dos
tecidos, em comparação aos jovens [16].
Em
razão da condição sistêmica mais fragilizada da pessoa com idade
avançada, ao cirurgião-dentista compete atuar de maneira a promover um
benéfico local, sem contribuir com algum prejuízo sistêmico. O
desdobramento de exodontias múltiplas em mais de uma etapa [8] e a
criteriosa indicação de remoção de um dente incluso na terceira idade
[19] são condutas básicas que impedem, por exemplo, hemorragias
desnecessárias. O correto planejamento do caso e a otimização das
etapas cirúrgicas favorecem também a redução do tempo cirúrgico [8],
fato que repercute no bem-estar do idoso nos momentos trans e
pós-operatório.
As
cirurgias pré-protéticas, como o próprio nome diz, são intervenções
cirúrgicas que visam à criação de estruturas de suporte adequadas para
posterior colocação dos aparelhos protéticos [24]. Em algumas
situações o reembasamento ou a confecção de uma nova prótese é tão
eficaz quanto a cirurgia [8]. Diante de tal fato, o profissional deve
proceder sempre do modo menos invasivo. Apenas nos casos em que não
houve sucesso no tratamento planeja-se a intervenção cirúrgica, seja
porque uma alteração óssea ou da mucosa de recobrimento local cause
desconforto e dor ao indivíduo [24], seja porque esta prejudique a
estabilidade da prótese [1, 26].
No
atual cenário da reabilitação oral os implantes osteointegrados têm
assumido grande importância entre a população geriátrica. Apesar de
seus inúmeros benefícios estéticos e funcionais, que repercutem de
forma positiva para elevar a autoestima do idoso [35], precisam ser
corretamente indicados, uma vez que a constatação de doenças renais e
hepáticas graves, de osteoporose, osteomalacia, radioterapia, entre
outras, leva à contraindicação médica do uso de implantes [11]. Altura
ou largura insuficiente do osso alveolar a ser implantado torna-se um
inconveniente ao tratamento reabilitador. Mas existem procedimentos que
revertem a condição por meio da utilização de enxertos ósseos locais
[17], devolvendo as condições de suporte ideais para instalação do
implante osteointegrado.
Nos
tratamentos reabilitadores, não só com implantes, como também com
próteses convencionais, mediante adequação cirúrgica do rebordo
alveolar sempre que se fizer indispensável, têm de ser consideradas as
normas médicas de saúde geral, para manter uma atenção regular sobre a
integridade do paciente, visando sopesar as particularidades geriátricas
que definem o sucesso do tratamento.
Conclusão
Com base nas informações obtidas por meio da presente revisão bibliográfica, concluiu-se que:
- a criteriosa análise das condições sistêmicas do idoso, por intermédio de anamnese detalhada, extensa e interdisciplinar, aliada aos exames complementares (laboratoriais e radiográficos), é responsável por nortear o planejamento reabilitador e auxilia na tomada de decisões;
- o risco cirúrgico em relação ao indivíduo na terceira idade precisa ser levado em conta, pois grande parcela da população nessa faixa etária apresenta distúrbios cardiovasculares, endócrinos e osteopatias que, correlacionados ao uso contínuo de fármacos que interferem na fisiologia do paciente, podem contraindicar, em alguns casos, cirurgias orais para diversos fins;
- asprincipaiscondutascirúrgicasnaodontogeriatria são as exodontias, as cirurgias pré-protéticas e a instalação de implantes osteointegrados, todos com indicações pertinentes com vistas ao bemestar físico e social da pessoa idosa.
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Endereço para correspondência:
Catarina Ribeiro Barros de Alencar
Avenida Manoel Barros de Oliveira, n.º 219 – Bairro Universitário
CEP 58429-080 – Campina Grande – PB
E-mail: catarina.rba@gmail.com
Recebido em 7/6/2010
Aceito em 13/9/2010
Received for publication: June 7, 2010
Accepted for publication: September 13, 2010.
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