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11 fevereiro 2011

Urgências em traumatismos dentários: classificação, características e procedimentos

Revista Paulista de Pediatria

Print version ISSN 0103-0582

Rev. paul. pediatr. vol.27 no.4 São Paulo Dec. 2009

doi: 10.1590/S0103-05822009000400015

ARTIGO DE REVISÃO

Urgências em traumatismos dentários: classificação, características e procedimentos

Dental traumatism urgencies: classification, signs and procedures

Mariane Emi SanabeI; Lícia Bezerra CavalcanteII; Cármen Regina ColdebellaIII; Fabio Cesar B. de Abreu-e-LimaIV

IDoutora em Ciências Odontológicas pela Faculdade de Odontologia de Araraquara da Unesp, Araraquara, SP, Brasil
IIMestre em Ciências Odontológicas da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Unesp, Araraquara, SP, Brasil
IIIDoutoranda em Ciências Odontológicas da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Unesp, Araraquara, SP, Brasil
IVProfessor assistente Doutor da Disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Unesp, Araraquara, SP, Brasil

Endereço para correspondência


RESUMO

OBJETIVO: Discutir os aspectos das urgências odontológicas relacionadas aos traumatismos dentários, disponibilizando mais informações para médicos pediatras ou plantonistas de serviços de atendimento de urgências e emergências.
FONTES DE DADOS: O levantamento dos dados foi realizado na base de dados Pubmed e Bireme, selecionando os artigos dos últimos 13 anos. As palavras-chave utilizadas foram: traumatismo dentário, dente decíduo e dente permanente. Os critérios de inclusão utilizados foram: artigos em inglês e português sobre incidência, prevalência e etiologia, guias de procedimentos e casos clínicos apenas de traumatismo dentário, sendo excluídos artigos de clareamento de dentes traumatizados, traumas faciais ósseos e casos clínicos de acompanhamento reduzido.
SÍNTESE DOS DADOS: Os dados foram descritos de forma concisa para se tornar um guia de fácil leitura e rápido acesso em relação à conduta, necessidade de atendimento imediato e correta escolha de soluções para armazenagem dos dentes e fragmentos.
CONCLUSÕES: O conhecimento sobre o assunto, a agilidade no tratamento de urgência e o correto encaminhamento do paciente proporcionam melhor prognóstico.

Palavras-chave: dente; traumatismo dentário; dente decíduo; dente permanente.


ABSTRACT

OBJECTIVE: The aim of this literature review is to discuss the clinical aspects of dental urgencies related to dental traumatisms, providing more information for health professionals who work in emergency units, such as pediatricians or physicians on-call and nurses.
DATA SOURCE: The studies were searched and selected in the Pubmed and Bireme databases, from the past 13 years. The keywords were: tooth injuries, deciduous tooth and permanent tooth. The inclusion criteria were: articles written in English and Portuguese related to incidence, prevalence, cause, guidelines and case reports of dental traumatism. Studies about dental bleaching in dental trauma, face bone trauma and reduced post-operative case reports were excluded.
DATA SYNTHESIS: The data were briefly described so that it can be easily read and quickly accessible regarding procedures, urgency attention and correct choice for dental and fragment storage.
CONCLUSIONS: The knowledge on the subject, the agility to deal with urgent situations and the correct patient follow-up improve prognosis.

Key-words: tooth; tooth injuries; tooth, deciduous; tooth, permanent.


Introdução

O traumatismo dentário é uma situação de urgência, frequente nos consultórios odontopediátricos. Muitas vezes, porém, o atendimento que deveria ser imediato não é efetivamente realizado devido à falta de conhecimento de pais e responsáveis(1,2) ou pelo fato de o primeiro atendimento ser realizado em prontos-socorros, clínicas médicas ou postos de saúde(3). Esses fatores, associados à falta de conhecimento dos profissionais de saúde sobre traumatismos dentários, ocasionam adiamento da avaliação pelo cirurgião dentista(4,5), afetando o seu prognóstico.

Consideram-se lesões traumáticas dentárias desde uma simples fratura em esmalte até a perda definitiva do elemento dentário. Existe uma predominância de traumatismos dentários em indivíduos do sexo masculino(6-8), especialmente em idade escolar e em fase de crescimento(9), como consequência de quedas, brigas ou lutas, acidentes esportivos, automobilísticos, traumatismos com objetos e maus tratos(6-8). Situações de urgência envolvendo cabeça e pescoço frequentemente se tornam experiências dramáticas para os pais e para as crianças. As lesões que envolvem os dentes anteriores (incisivos centrais, incisivos laterais e caninos) podem resultar em efeitos desfavoráveis na função e causar sintomatologia dolorosa, afetando diretamente a autoestima, o comportamento e o sucesso pessoal, especialmente se há perda dentária permanente(10,11). O objetivo dessa revisão é fornecer informações atualizadas sobre traumatismos dentários a médicos pediatras, enfermeiros e outros profissionais da saúde quanto à ocorrência e à conduta clínica, com o objetivo de promover o bem-estar das crianças envolvidas e de suas famílias.

O levantamento dos dados contidos nesta revisão da literatura foi realizado por meio da base de dados Pubmed e da base de dados da Biblioteca Brasileira de Odontologia (Bireme). Foram selecionados artigos publicados nos últimos 13 anos em revistas de impacto internacional na área de traumatismo dentário e na odontologia nacional. As palavras-chave utilizadas para a seleção dos artigos foram: traumatismo dentário, dente decíduo e permanente; foram incluídos artigos em inglês e português sobre prevalência e etiologia, guias de procedimentos e casos clínicos apenas de traumatismos dentários; foram excluídos os artigos de clareamento de dentes traumatizados, traumas faciais e casos clínicos de reduzido acompanhamento. A revisão de literatura deste trabalho foi redigida na forma 'conduta clínica e procedimentos', com o objetivo de se tornar um guia atualizado de fácil acesso e consulta para os profissionais da saúde.

Conduta clínica e procedimentos

A experiência do profissional é essencial para o bom andamento do tratamento após o traumatismo. É necessário, inicialmente, acalmar os pais e o paciente para que se consiga obter informações precisas durante a realização da anamnese, com vistas a estabelecer um diagnóstico preciso e confiável, por meio de perguntas simples sobre onde, como e quando ocorreu o traumatismo(12).

A classificação e as características clínicas apresentadas nas Tabelas 1 e 2 foram adaptadas de Andreasen et al(9) e descritas de acordo com o Guia para o Manejo de Lesões Traumáticas Dentárias(13,14), desenvolvido em 2007 por especialistas de vários países pertencentes à Associação Internacional de Traumatologia Dental e classificadas em traumatismos dentários, do osso alveolar, luxações e avulsões dentárias.

Nas fraturas em esmalte e dentina sem exposição pulpar (Figura 1A), é dispensável o atendimento de urgência, pois a literatura mostra que o prognóstico é favorável mesmo quando o tratamento é tardio; entretanto, o atendimento odontológico é necessário para avaliação e tratamento do caso. Fratura coronária com exposição pulpar (Figuras 1B e 1C), luxação intrusiva (Figura 2C), concussão, subluxação, e traumatismo em dentes decíduos são considerados de gravidade moderada; entretanto, necessitam de atendimento imediato(15). Avulsão, fratura radicular (Figuras 2A e 2B) e fratura alveolar são consideradas situações agudas mais sérias e também devem receber atendimento imediato(14).

O atendimento de urgência nos traumatismos dentários considerados agudos garante melhor prognóstico do caso, evitando que ocorra necrose pulpar ou perda precoce do elemento dentário. Em qualquer caso considerado agudo, o paciente deve ser imediatamente encaminhado a um cirurgião-dentista para que sejam realizados os procedimentos necessários com materiais adequados.

Discussão

É alta a frequência de traumatismos dentários em crianças e adolescentes. Indivíduos que apresentam selamento labial inadequado e que possuem protrusão da maxila maior que 5mm em relação à mandíbula são mais suscetíveis à ocorrência de traumatismos dentários(16).

Segundo Proprokowitsch et al(6), em um estudo realizado na Clínica Endodôntica da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) em 1995, dentre os traumatismos dentários da dentadura permanente, a fratura coronária sem exposição pulpar ocorreu com maior frequência (23%), seguido de avulsão dental (21%), subluxação (12%) e fratura radicular (9%). Concussão, fratura coronária com exposição pulpar, luxação intrusiva, extrusiva, lateral e fratura de esmalte somaram os 35% restantes, com maior prevalência no sexo masculino (66%) e faixa etária de 7 a 10 anos (40%). Os acidentes ocorreram em sua maioria dentro de casa (35%), seguido por queda de bicicletas (18%), acidentes automobilísticos (16%), queda de escada (9%), além de brigas ou agressões, prática de esportes, acidentes com corpos estranhos e quedas na piscina em menor proporção. As consequências dos traumatismos dentários em dentes permanentes podem ser: alteração de cor, mobilidade, necrose pulpar, reabsorções ósseas e dentárias - se não tratado adequadamente -, o que pode ser ocasionada pela falta de tratamento imediato ou pelo prognóstico individual do caso.

Em estudo realizado na Clínica de Urgência Odontopediátrica da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por Porto et al(8), os traumatismos em dentes decíduos ocorreram nos tecidos de sustentação em 79% dos casos, luxação lateral em 28%, subluxação em 14%, avulsão em 11%, seguido de luxação extrusiva, concussão e fratura de alvéolo. A prevalência do traumatismo dentário foi de 20% no estudo de Porto et al(8) e 37% no de Granville-Garcia et al(2) em pré-escolares de Recife (PE). A faixa etária dos 2 aos 4 anos foi a mais prevalente em ambos os estudos; entretanto, nessa faixa etária, não houve diferença entre o sexo masculino e feminino. A maior ocorrência de fraturas nos tecidos de sustentação se deve ao fato de que o osso alveolar possui maior resiliência em relação ao osso alveolar permanente(9). Como consequência das agressões a dentes decíduos, principalmente da luxação intrusiva, pode haver hipoplasia de esmalte, interrupção da formação dental, defeitos de textura, alteração no posicionamento ou erupção, má formação da coroa e raiz e distúrbios na mineralização(17).

A higiene bucal com escovas dentárias macias e a limpeza com solução de clorexidina a 0,1% é necessária após o trauma dental para prevenir o acúmulo do biofilme dental e melhorar o prognóstico no trauma dentário(13,14).

A conduta e procedimentos descritos neste texto tiveram como objetivo aumentar o conhecimento de médicos pediatras, enfermeiros e auxiliares sobre os traumatismos dentários e melhorar a qualidade da orientação aos pais ou responsáveis diante dessas situações(1,3,18,19).

A negligência em relação ao tratamento odontológico após o traumatismo dentário pode ter como consequência alteração de cor, mobilidade, alteração de posição na arcada dentária, sintomatologia dolorosa, sensibilidade, reabsorções radiculares ou óssea, necrose e perda do elemento dental, os quais podem acarretar dificuldades de convívio social, baixa autoestima das crianças e problemas de relacionamentos futuros, principalmente pela ausência do elemento dentário(10,11).

Os dados apresentados refletem a necessidade de os profissionais da saúde estarem aptos a reconhecer e informar os pais e/ou responsáveis sobre a melhor conduta a ser adotada diante de um trauma dentário.

Conclusão

A ocorrência de traumatismo dentário é frequente em crianças e adolescentes, e o primeiro atendimento ao paciente, a conduta correta frente ao trauma e a agilidade para encaminhar o caso ao especialista são de extrema importância para o prognóstico.

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Endereço para correspondência:
Mariane Emi Sanabe
Rua Costa Aguiar, 2324 - Ipiranga
CEP 04204-002 - São Paulo/SP
Email: emisanabe@hotmail.com

Recebido em: 6/10/08
Aprovado em: 15/2/09

Instituição: Departamento de Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Araraquara, SP, Brasil


Acesse original

Avaliação clínica de reabsorção radicular externa em dentes desvitalizados submetidos ao clareamento

Pesquisa Odontológica Brasileira

Print version ISSN 1517-7491

Pesqui. Odontol. Bras. vol.16 no.2 São Paulo Abr./June 2002

doi: 10.1590/S1517-74912002000200007

Endodontia

Avaliação clínica de reabsorção radicular externa em dentes desvitalizados submetidos ao clareamento

Clinical evaluation of external radicular resorption in non-vital teeth submitted to bleaching

Alessandro Dourado Loguercio*
Daniela Souza**
Adriana Soares Floor**
Mauro Mesko**
Alcebíades Nunes Barbosa***
Adair Luiz Stefanello Busato****


RESUMO: O propósito deste estudo foi avaliar a presença de reabsorção cervical externa em pacientes submetidos ao clareamento de dentes desvitalizados. Os pacientes avaliados tiveram pelo menos um dente desvitalizado clareado entre os anos de 1986 a 1996. Os pacientes foram submetidos à técnica de clareamento com perborato de sódio e peróxido de hidrogênio, de acordo com a técnica descrita por Busato et al.5,6. Dos 193 pacientes chamados para que os dentes clareados fossem examinados clínica e radiograficamente, apenas 43 pacientes compareceram (54 dentes) com uma média de tempo após o clareamento de 3,5 anos. Os resultados permitiram concluir que em nenhum dos dentes examinados foi possível observar indícios de reabsorção cervical externa.

UNITERMOS: Reabsorção da raiz; Clareamento de dente; Peróxido de hidrogênio.

ABSTRACT: The purpose of this study was to evaluate the presence of external resorption in non-vital teeth submitted to bleaching. The evaluated patients had at least one non-vital tooth, which had been bleached between 1986 and 1996. All teeth were submitted to bleaching with hydrogen peroxide and sodium perborate, as described by Busato et al.5,6. From 193 patients recalled for clinical and radiographic evaluation of bleached teeth, only 43 attended (54 teeth). The average time elapsed after bleaching was 3.5 years. The results revealed that none of the examined teeth had any degree of external cervical resorption.

UNITERMS: Root resorption; Tooth bleaching; Hydrogen peroxide.


INTRODUÇÃO

O escurecimento dos dentes é motivo de grande preocupação por parte dos pacientes. Nesse contexto, o clareamento de dentes desvitalizados é uma terapia muito requisitada na prática diária do consultório7.

A etiologia do escurecimento de dentes desvitalizados é bem conhecida. Essa mudança cromática pode ser ocasionada por uma hemorragia advinda de trauma, técnica terapêutica inadequada, espaço de tempo entre o traumatismo e o atendimento odontológico e tempo de permanência da restauração provisória, após o tratamento de canal2,6.

Independentemente desses fatores causais, todo profissional deve estar bem preparado para diagnosticar corretamente a causa da alteração de cor, pois essa é uma condição indispensável para o sucesso do procedimento.

A técnica de clareamento é um procedimento utilizado há muito tempo, e tem três vantagens indiscutíveis, como: evitar o desgaste de estrutura dentária em comparação com outros procedimentos, obter resultados estéticos satisfatórios comprovados em longo prazo e onerar menos o paciente6.

Contudo, sabe-se também que há efeitos deletérios para os dentes e as estruturas de suporte9, sendo a reabsorção cervical externa (RCE) a mais grave descrita na literatura.

Desde o relato de Harrington, Natkin14 (1979), outras publicações têm sido realizadas buscando associar o clareamento de dentes aos problemas de RCE. Apesar desta associação não estar completamente elucidada, já foi demonstrado em animais (cães) que agentes clareadores (peróxido de hidrogênio) induzem a ocorrência de RCE24.

Dessa forma, especula-se que a associação entre o emprego do peróxido de hidrogênio e o aparecimento da RCE é causada por alguns fatores. O peróxido de hidrogênio em altas concentrações tem um baixo pH, que poderá ocasionar desnaturação protéica (orgânica) e desmineralização (inorgânica) que levará a um aumento da permeabilidade dentinária na região, fazendo com que os gases da reação química do perborato de sódio com o peróxido de hidrogênio (técnica mediata) ou do peróxido de hidrogênio com calor (técnica imediata) possam chegar até a superfície externa da raiz18,19,26.

Isso é agravado, segundo Rotstein et al.26 (1991) por falhas na junção amelocementária que propiciam uma margem de periodonto exposto. Além disso, a associação com calor (técnica imediata) leva a um aumento da reatividade do peróxido de hidrogênio, mas também a um aumento da permeabilidade dentinária devido ao coeficiente de expansão térmico linear da dentina e um aumento das trincas, notadamente nos casos de dentes traumatizados.

Essas reações podem determinar uma agressão ao periodonto, que responderá por meio de uma resposta auto-imune (inflamatória), enviando osteoclastos para eliminarem o corpo estranho e isso levará a uma reação localizada de reabsorção externa20,24.

Sendo assim, neste estudo procurou-se, por meio da avaliação clínica e radiográfica observacional retrospectiva, detectar a presença de RCE em dentes submetidos a uma técnica de clareamento de dentes desvitalizados em que foi associado o perborato de sódio com peróxido de hidrogênio no período de 1986 a 1996.

MATERIAL E MÉTODOS

Realização do clareamento

Foi realizada uma avaliação clínica e radiográfica prévia para que fosse indicado o tratamento clareador. Ao exame clínico, observava-se a integridade do remanescente dental, seu grau de escurecimento e as suas condições periodontais. Ao exame radiográfico, foram observadas as condições endodônticas (vedamento no periápice) e a situação periodontal (óssea).

Depois de definida a indicação, a técnica empregada no clareamento foi a de Busato et al.5,6 (1986, 1997), descrita a seguir: 1) foi registrada a cor inicial com auxílio de uma escala de cores; 2) foi realizada a profilaxia, a proteção dos tecidos moles com vaselina cremosa e o isolamento absoluto (preferencialmente apenas do dente a ser clareado); 3) foi executada a remoção da restauração provisória e/ou cárie abordando corretamente o dente a ser clareado com instrumentos rotatórios e/ou manuais. Logo a seguir, 4) foi iniciada a desobstrução da entrada do canal (2-3 mm além da junção amelocementária) com instrumentos rotatórios e/ou manuais aquecidos. Nessa região, 5) foi realizado o vedamento cervical, em geral, com cimento de silicato no início e depois com o cimento de ionômero de vidro5,6.

Numa segunda sessão, foi realizada a técnica termocatalítica (imediata). A técnica consiste em levar um instrumento aquecido sobre um chumaço de algodão umedecido em peróxido de hidrogênio a 35%, que estava posicionado na superfície vestibular do dente. Este processo era realizado por no máximo três vezes, com intervalos de três a cinco minutos entre as aplicações, até que o algodão ficasse completamente seco. Na mesma sessão utilizava-se a técnica de clareamento intracoronária (mediata). Uma mistura de peróxido de hidrogênio a 35% associada ao perborato de sódio, na forma de uma pasta cremosa e brilhante era colocada na câmara pulpar em contato com a face vestibular. Sobre essa pasta era adaptado um algodão e uma restauração provisória (óxido de zinco e eugenol modificado). Essa sessão era realizada uma semana após a primeira, quando se verificava a melhora ou não da cor. Nas sessões subseqüentes (no máximo de 5), apenas realizava-se a técnica mediata. Após o dente alcançar a cor desejada, ele era limpo e restaurado com sistema adesivo e resina composta e/ou cimento ionomérico, de acordo com cada caso.

Realização do exame de retorno dos pacientes

Todos os pacientes (193) que foram submetidos a essa técnica no período de 1986 a 1996 foram chamados para nova avaliação clínica e radiográfica dos dentes clareados e preenchimento de uma ficha com dados sobre o tratamento.

RESULTADOS

Dos 193 pacientes, apenas 43 compareceram às avaliações, num total de 54 dentes tratados endodonticamente e que foram submetidos a tratamento clareador. O tempo após o clareamento variava de 1 a 10 anos, com uma média de tempo em torno de 3,5 anos. Destes, quatro dentes haviam fraturado após o clareamento e um dente fraturou durante o clareamento. Esses cinco dentes foram excluídos das outras avaliações (Figura 1).

No questionário, algumas perguntas foram destacadas para ilustrar detalhes importantes dentro da técnica de clareamento. Foi perguntado: qual a causa do tratamento endodôntico? 77% responderam (38 dentes) que a causa era a cárie; 10,5% que era devido ao trauma e em 7 casos não sabiam descrever a causa. Também foi questionado ao paciente se o escurecimento ocorreu antes ou após a endodontia: 14,3% (7) não sabiam, 36,7% (18) responderam que o escurecimento já existia antes do tratamento de canal e 49% (24) disseram que o escurecimento ocorreu pós-endodontia.

Ao exame clínico e radiográfico de controle, não foi possível detectar nenhum dente com possível suspeita de reabsorção cervical externa (Figura 2). Não se conseguiu estabelecer uma correlação do percentual de recidiva do escurecimento, entretanto em alguns casos (Figura 3) a recidiva do procedimento clareador foi visível.

DISCUSSÃO

Mesmo que em nenhum dos casos tenham sido encontradas RCE, é interessante discutir alguns tópicos da técnica de clareamento.

Segundo Macisaac, Hoen20 (1994), os relatos de RCE associados ao processo de clareamento publicados na literatura têm em comum alguns fatores: em 100% dos casos, o vedamento cervical era inexistente e, em 84% usou-se a técnica termocatalítica. Além desses, o clareamento foi realizado em 80% dos casos na mesma sessão da obturação do canal radicular e em 74% o trauma foi o fator etiológico a desencadear a necessidade de endodontia a que o dente havia sido submetido.

Desde a indicação por Lado et al.18 (1983) da colocação de um material para vedar a região cervical, todos os autores concordam que esta é a melhor forma de prevenir que os agentes clareadores possam atingir via região cervical ou via canal radicular o periodonto. Entretanto, existe uma enorme controvérsia com relação ao material a ser utilizado para o vedamento cervical e é preciso que mais estudos sejam realizados para verificação do melhor material a ser utilizado nessa região5,8,25.

A opção, na época, pelo ionômero de vidro foi devido as suas propriedades de adesão a estrutura dentária, biocompatibilidade e coeficiente térmico linear muito próximo ao dos tecidos duros do dente. Parece que o mais importante não é o material restaurador a ser utilizado, mas sim o cuidado de que o procedimento de clareamento seja realizado ao redor de uma semana após a obturação definitiva do canal7.

Deperalta et al.10 (1991) compararam a utilização ou não do vedamento cervical em relação ao clareamento imediato ou uma semana após a obturação do canal. Demonstraram que o fator mais importante foi a espera por 7 dias, independentemente da utilização ou não do material para vedamento. Isso justificaria, em grande parte, os bons resultados obtidos com o ionômero de vidro convencional utilizado.

É importante que o material para vedamento cervical seja colocado imediatamente após ter sido realizado o tratamento endodôntico, haja vista que isso permite a completa reação de presa do material até a próxima sessão, mas principalmente evita que o dente não escurecido possa ficar pigmentado (demora a ser restaurado definitivamente), principalmente em se tratando de restaurações provisórias que tenham eugenol.

Outro fato interessante a ser comentado é a fratura ocorrida em alguns dentes. A relação entre clareamento e enfraquecimento do dente foi demonstrada inicialmente por alguns autores11, mas foi contestada por outros estudos4,22. Isto indicaria que o dente clareado não fica mais fraco após o clareamento. Durante o clareamento de dentes desvitalizados, a câmara pulpar é vedada com um material que não devolve a resistência ao elemento dental, sendo isso agravado quando já houve envolvimento das arestas marginais que são consideradas regiões de reforço em dentes anteriores4. Portanto, o procedimento deve ser realizado com o maior número de cuidados para evitar maiores danos ao remanescente coronário.

Sempre que um dente a ser clareado tiver sofrido trauma, a primeira opção deve ser o uso de uma técnica que utilize substâncias menos cáusticas (peróxido de hidrogênio em baixas concentrações, ou mesmo a água, associando-se ao perborato de sódio), em detrimento da utilização do peróxido de hidrogênio a 35% associado ao calor (técnica termocatalítica). Esta associação (trauma e substância clareadora) não traz grandes prejuízos ao elemento dental, já que a queda de pH, com substâncias menos cáusticas, é muito pequena23,27. Outro fator a ser considerado é que o peróxido de hidrogênio é uma substância extremamente instável (6 meses), e isso sem dúvida contribuiu para que uma substância menos agressiva estivesse sendo utilizada13,16.

Além do mais, estudos demonstraram a efetividade de técnicas com substâncias menos cáusticas no clareamento de dentes. Apenas houve diferença no tempo de clareamento16,26,27.

A ausência de casos de reabsorção neste estudo se deve acima de tudo à utilização do vedamento cervical, baixo número de dentes traumatizados e de se ter iniciado o clareamento apenas uma semana após a obturação do canal, conforme indica Macisaac, Hoen20 (1994).

Estes resultados vão ao encontro de outras pesquisas clínicas. Em estudos em que foi utilizado o vedamento cervical1,3,21, ou a associação de substâncias menos caústicas, como o perborato de sódio mais água17, não foi encontrado nenhum caso de RCE.

Em contrapartida, em estudos em que alguns desses fatores previamente citados20 foram negligenciados, sempre houve casos de reabsorção. No estudo de Friedman et al.12 (1988), foram encontrados 4 casos de RCE em 58 casos. Em nenhum dente, foi utilizado o vedamento cervical. Em outra pesquisa15, também foram encontrados 4 casos de RCE com tempo de 1-19 anos de acompanhamento, sendo que nesse estudo o vedamento cervical foi realizado com guta-percha (material não adesivo).

O clareamento de dentes sem vitalidade seja pelo seu alto índice de sucesso, seja por ser uma técnica extremamente conservadora e de baixo custo, é um procedimento com grande indicação, contudo alguns detalhes devem ser atentados para que problemas como o de reabsorção não venham a comprometer o sucesso clínico do tratamento. Mais estudos devem ser realizados para comprovar os resultados demonstrados neste estudo.

CONCLUSÃO

Com base nos dados encontrados, é possível concluir que não ocorreu nenhum caso de reabsorção cervical externa nos 54 dentes estudados com um tempo médio de 3,5 anos com a técnica de clareamento de dentes desvitalizados preconizada.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a Paulo Cesar Roman (in memorian) pelo exemplo de amor a vida, ao Prof. Dr. Flávio Fernando Demarco pela sugestão do estudo, aos funcionários do serviço de triagem da Faculdade de Odontologia de Pelotas - RS (UFPEL) e o apoio parcial da FAPESP 99/05124-0.

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Recebido para publicação em 01/11/2000
Enviado para reformulação em 01/10/2001
Aceito para publicação em 10/12/2001

*Doutorando em Materiais Dentários da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.

**Cirurgiões-dentistas.

***Professor Adjunto; ****Professor Titular da Faculdade de Odontologia da Universidade Luterana do Brasil.


Acesse original

Resistência adesiva de resinas compostas à dentina

Revista de Odontologia da Universidade de São Paulo

Print version ISSN 0103-0663

Rev Odontol Univ São Paulo vol.13 n.1 São Paulo Jan./Mar. 1999

doi: 10.1590/S0103-06631999000100011

Materiais Dentários

Resistência adesiva de resinas compostas à dentina

Adhesive strength between composite resin and dentin substract

Joel BIANCHI*
Leonardo Eloy RODRIGUES FILHO*
José Fortunato Ferreira SANTOS**


BIANCHI, J.; RODRIGUES FILHO, L. E.; SANTOS, J. F. F. Resistência adesiva de resinas compostas à dentina. Rev Odontol Univ São Paulo, v. 13, n. 1, p. 51-55, jan./mar. 1999.

As pesquisas relacionadas com adesão à dentina, em virtude da ampla aplicabilidade, são de grande interesse para a Odontologia. O objetivo deste estudo foi avaliar, através de ensaios de tração, a resistência adesiva ao substrato dentinário, em função de dois sistemas adesivos (3M e Kerr), dois níveis de rugosidade do substrato dentinário (lixas 220 e 600), duas áreas de colagem (3,14 mm2 – 12,56 mm2), e duas condições de armazenagem (inicial e final). A análise dos resultados evidenciou que: 1) houve diferença estatisticamente significativa entre os dois sistemas adesivos, sendo que o da Kerr apresentou os valores mais elevados de resistência adesiva; 2) diferenças significativas não ficaram evidentes na resistência da adesão entre os dois níveis de rugosidade dentinária; 3) as colagens em áreas menores apresentaram, em nível altamente significativo, maior resistência adesiva; 4) a condição de armazenagem influiu nos resultados dependendo da área e do sistema adesivo.

UNITERMOS: Dentina; Adesivos dentinários; Resinas compostas; Resistência à tração.


INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas a busca por um material com capacidade adesiva às estruturas dentais tornou-se um dos principais projetos de estudo nos Centros de Pesquisas. A técnica do condicionamento ácido do esmalte já é fato plenamente consagrado4. No entanto, a adesão à dentina (tecido com origem e composição diferentes do esmalte) parece ser bem mais complexa. Desde 1965, BOWEN3 e vários outros pesquisadores buscam solucionar o impasse.

Dentre os diversos fatores envolvidos na resistência da união adesivo/substrato dentinário, os mais citados são: rugosidade do substrato7,19; tratamento químico recebido16,21; teor de umidade presente10,18,21; distância em relação à polpa11,20; sistemas adesivos1,5,17; idade do doador14,25; tempo decorrido entre a exodontia e o uso do dente6,13,17; condições utilizadas na armazenagem (prévia e/ou pós-colagem)2,8. Entre outras, uma das variáveis não padronizadas nos testes diz respeito à área de colagem1,5,10. Devido ao grande número de itens testados e à variabilidade de métodos empregados, os resultados obtidos são conflitantes1,2,5,17. Quanto aos testes de resistência, normalmente aplicados às juntas adesivas, são de tração ou cisalhamento. A proposta desta pesquisa foi a de avaliar a resistência da junta adesivo/dentina, por ensaio de tração, utilizando: dois sistemas adesivos (com as respectivas resinas compostas); dois graus de rugosidade dentinária; duas superfícies de colagem com áreas diferentes e duas condições de armazenagem dos corpos-de-prova.

MATERIAL E MÉTODO

Foram empregados 160 dentes humanos extraídos, conservados em solução alcoólica (70%) à temperatura ambiente.

O experimento foi conduzido sob quatro fatores, cada um com dois níveis (dezesseis condições experimentais, com dez repetições cada):

Sistemas adesivos: Scotchbond MP (3M), com a resina composta Z-100 (3M); Optibond (Kerr) com a resina composta Herculite XRV (Kerr).

Superfícies: as superfícies dentinárias foram preparadas sob duas rugosidades, com lixas d’água de granulação 220 (mais abrasiva) e 600 (menos abrasiva).

Áreas: as superfícies das áreas de colagem na união corresponderam aos diâmetros de 2 e 4 mm (áreas de 3,14 mm2 e 12,56 mm2).

Condições de armazenagem: em um dos níveis a armazenagem foi por 2 horas, antes do arrancamento, à temperatura de 370°C e umidade relativa de 100% (condição inicial). No outro nível os corpos-de-prova ficaram sob condições como no anterior, depois foram imersos em água a 370°C por 48 horas e, a seguir, termociclados em 50°C e 55°C (700 ciclos), com permanência de um minuto em cada banho (condição final). A seguir foram feitos os ensaios de arrancamento.

Sequência da obtenção dos corpos de prova: os dentes foram incluídos em blocos de resina acrílica, obtidos através de um molde de silicona de adição tipo "massa" com o formato de um paralelogramo, deixando exposta a face vestibular ou lingual (Figura 1).

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FIGURA 1 – Dente embutido em R. A. A. Q.: A) vista lateral; B) vista de topo.

O esmalte foi removido com discos abrasivos até expor a superfície da dentina, que foi preparada com as correspondentes lixas, seguindo-se o armazenamento em água destilada à temperatura de 37°C por 30 dias.

Após esse período, a dentina foi limpa com algodão embebido em hipoclorito de sódio a 5%, lavada com água por 10 segundos e seca suavemente com jatos de ar por 2 segundos, procurando conservar a dentina úmida. A seguir, aplicação e polimerização dos sistemas adesivos segundo orientação dos fabricantes. Na seqüência, foram colocadas as resinas compostas, com o auxílio de moldes de silicona com formato tronco-cônico de 2 tamanhos: com 4,5 mm de altura, 4 ou 6 mm de diâmetro na base maior, e as bases menores com as medidas correspondentes às áreas de colagem (Figura 2).

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FIGURA 2 – Molde de silicona (corte transversal).

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FIGURA 3 – Molde em posição e preenchido com resina composta.

O preenchimento do molde, apoiado no dente incluído, foi feito em 3 camadas fotopolimerizadas por 40 segundos cada.

Após a obtenção do "botão" tronco-cônico de resina composta e retirada do molde, foram removidos possíveis excessos do adesivo na região da colagem com instrumentos manuais afiados; a seguir, nova exposição à luz por 80 segundos ao redor do cone de resina composta; em seqüência foram feitas as armazenagens.

O arrancamento dos "botões" após as devidas armazenagens foi feito numa máquina de ensaios Wolpert, empregando-se garras e juntas universais e velocidade de 0,5 cm/min (Figura 4).

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FIGURA 4 – Detalhe do aprisionamento do corpo-de-prova.

Os valores das cargas de ruptura, obtidos em Kp, foram transformados em valores de tensão (MPa). Os dados foram submetidos à análise de variância, estabelecendo-se valores críticos para contrastes de médias, pelo Teste de Tukey.

TABELA 1 - Médias (MPa) de resistência adesiva correspondente aos fatores principais e indicação de significância

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através da Análise de Variância foi possível observar que os fatores sistemas adesivos e área de colagem mostraram valores significativamente diferentes entre os seus respectivos níveis (0,1%); os fatores rugosidade da superfície e condição de armazenagem não demonstraram valores estatisticamente diferentes entre seus respectivos níveis; duas interações apresentaram diferenças significativas (5%). Na Tabela 1, podem ser visualizadas as médias de resistência adesiva para os fatores principais.

O sistema adesivo Optibond + Herculite XRV apresentou melhor desempenho, média de 13,43 MPa, do que o sistema Scotchbond + Z100, com média 8,66 MPa. Os valores de resistência adesiva obtidos neste estudo, quando comparados aos existentes na literatura1,5,6, mostram-se bem menores, porém, o tipo de ensaio empregado foi diferente. Nos testes de ruptura por cisalhamento há uma elevada interferência de fatores relativos à retenção micromecânica, provavelmente responsáveis por aqueles valores mais elevados.

Quanto ao fator rugosidade do substrato, não foi possível verificar a presença de diferenças significativas entre os valores encontrados. O significado da rugosidade, na resistência adesiva, é admitido como sendo relativo por alguns pesquisadores7,15,19.

No que concerne à área de colagem, o valor mais elevado foi obtido para a menor área usada (3,14 mm2). A literatura mostra uma certa negligência metodológica quanto a este item, daí o desencontro de resultados obtidos em diferentes pesquisas1,10,11. Dentre as hipóteses que podem ser levantadas para explicar a diferença significativa detectada entre os valores adesivos com as áreas estudadas, podem ser citadas: 1) a menor área abrange um substrato bastante homogêneo no que respeita à composição, diâmetro e orientação dos túbulos e quantidade da porção orgânica, ao passo que as áreas maiores envolvem substrato mais heterogêneo18,23,24; 2) a junta adesiva formada por uma área menor sofre menores tensões, como aquelas causadas pela contração de polimerização e variações térmicas9,22.

Para o fator condição de armazenagem, a análise estatística não apresentou diferença entre os níveis. No entanto, cabe ressaltar que foi verificada uma tendência à redução dos valores adesivos na condição final de armazenagem, fato este também observado em outros estudos2,5,12,17.

As Tabelas 2 e 3 apresentam as médias das interações significativas, e os respectivos valores críticos para contraste.

TABELA 2 - Médias correspondentes a áreas e condições de armazenagem (MPa), e valor crítico para contraste

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Na Tabela 2, fica evidente que a resistência adesiva dos espécimes com menor área de colagem sofreu mais intensamente os efeitos causados pela condição de armazenagem.

Na Tabela 3, é possível visualizar que o fator armazenagem influenciou de modo bastante específico nos sistemas adesivos e nas áreas de colagem estudadas. Considerando-se a área menor no sistema Kerr, nota-se uma diminuição significativa na resistência adesiva na condição final de armazenagem e, para a área maior, a interferência foi praticamente nula. No sistema 3M, não foi observada diferença significativa na resistência adesiva tanto nos níveis de áreas como nos de armazenagem.

TABELA 3 - Médias correspondentes à interação sistemas adesivos, áreas e condições de armazenagem (MPa), e valor crítico para contraste
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A comparação dos resultados encontrados nesta investigação com aqueles observados na literatura nem sempre foi possível e eventualmente não seria apropriada, pois nossas condições experimentais foram bastante específicas.

CONCLUSÕES

De acordo com a metodologia experimental e procedimentos estatísticos observados nesta investigação, as seguintes conclusões parecem válidas:

1. entre os dois sistemas adesivos estudados, houve significativa predominância de um deles, com valores de resistência adesiva cerca de 1,5 vez mais elevado;

2. a rugosidade superficial do substrato dentinário não teve influência significativa sobre a capacidade adesiva dos sistemas estudados, nem sobre suas correspondentes interações;

3. a área da superfície dentinária na união adesiva foi um fator altamente significativo sobre os valores da resistência de adesão; os corpos-de-prova com área menor apresentaram capacidade adesiva cerca de 1,4 vez maior do que aqueles com área maior;

4. a condição de armazenagem influiu nos resultados dependendo da área e do sistema adesivo.


BIANCHI, J.; RODRIGUES FILHO, L. E.; SANTOS, J. F. F. Adhesive strength between composite resin and dentin substract. Rev Odontol Univ São Paulo, v. 13, n. 1, p. 51-55, jan./mar. 1999.

There is a wealthy literature on bonding strength of composites to dentine. One of the reasons for the large number of studies is the continuous introduction of new bonding agents in combination with accumulated knowledge about the dentine substrate conditions. The aim of the present study was to compare the "in vitro" tensile bond strengths of two dentine bonding systems (3M and Kerr) applied to different dentine roughness (220 and 600 grit)and two sizes of bonding areas (3,14 mm2 and 12,56 mm2). Different storage conditions (initial and final) were also considered. One hundred and sixty human teeth were randomly allocated in 4 groups. The Kerr system groups and the smallest bonding area groups showed the highest tensile strengths. The storage condition and the substrate roughness did not display a significant influence on bond strengths.

UNITERMS: Dentin; Dentin bonding; Composite resins; Tensile agents strength.


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Recebido para publicação em 24/04/98
Reformulado em 05/11/98
Aceito para publicação em 18/01/99

* Professores Assistentes e ** Professor Titular da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo - USP.


Acesso Original

08 fevereiro 2011

A fluoretação da água de abastecimento público e seus benefícios no controle da cárie dentária – cinqüenta anos no Brasil

Ciência & Saúde Coletiva

Print version ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.12 no.4 Rio de Janeiro July/Aug. 2007

doi: 10.1590/S1413-81232007000400027

TEMAS LIVRES FREE THEMES

A fluoretação da água de abastecimento público e seus benefícios no controle da cárie dentária cinqüenta anos no Brasil

Fifty years of fluoridation of public water supplies in Brazil: benefits for the control of dental caries

Irene RamiresI; Marília Afonso Rabelo BuzalafII

IDepartamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Odontologia de Bauru, USP. Alameda Dr. Octávio Pinheiro Brisolla 9/75, Vila Universitária. 17012-901 Bauru SP. iramires@usp.br
IIFaculdade de Odontologia de Bauru, USP


RESUMO

A fluoretação da água de abastecimento público representa uma das principais e mais importantes medidas de saúde pública no controle da cárie dentária. O objetivo deste trabalho foi o de reafirmar, através de uma revisão de literatura, a importância e o alcance da fluoretação no controle da cárie dentária. Um dos meios mais efetivos para manter constante a presença de flúor na cavidade bucal, fundamental para controle da cárie dentária, a fluoretação da água é reconhecida como um importante fator para o declínio da prevalência da cárie dentária. Portanto, além de ser mantida, deve ser monitorada, a fim de que o teor de flúor seja mantido dentro dos padrões adequados para o controle da cárie e prevenção da fluorose dentária.

Palavras-chave: Flúor, Fluoretação, Controle da cárie dentária


ABSTRACT

Fluoridation of public water supplies is among the most important public health measures for control of dental caries. Through a review of the literature, this study intends to reaffirm the importance and scope of fluoridation for caries control, as this is acknowledged as one of the most effective ways of ensuring the constant presence of fluoride in the oral cavity, which is vital for controlling caries. Water fluoridation is rated as an important factor for reducing caries, meaning that it should be maintained and also monitored, ensuring adequate fluoride levels for controlling caries while avoiding dental fluorosis.

Key words: Fluoride, Fluoridation, Control of dental caries


Introdução

A fluoretação é a adição controlada de um composto de flúor à água de abastecimento público com a finalidade de elevar a concentração do mesmo a um teor predeterminado e, desta forma, atuar no controle da cárie dentária1,2,3.

A fluoretação da água de abastecimento público representa uma das principais e mais importantes medidas de saúde pública, podendo ser considerada como o método de controle de cárie dentária mais efetivo, quando considerada a abrangência coletiva2,4,5,6,7,8,9. O fato desta medida não permitir uma abordagem seletiva para o controle da cárie explica as dúvidas e questionamentos sobre a mesma, que são frequëntemente uma questão de filosofia social e não científica, uma vez que está apoiada em sua segurança e efetividade comprovadas após cerca de cinquënta anos de implantação2. Há mais de cinco décadas, desde 1945, o flúor tem sido utilizado no controle da cárie dentária, resultando em uma melhora significante na saúde bucal da população 8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, admite que o poder preventivo da água fluoretada é de 40% a 70%, em crianças, dependendo do índice de prevalência de cárie, reduzindo também a perda de dentes em adultos entre 40% e 60%5.

A interrupção temporária ou definitiva da fluoretação acarreta em perda do benefício por parte da população, sendo que o mesmo ocorre quando os teores de flúor ficam abaixo do recomendado. Em situações de paralisação da medida, o aumento na prevalência de cárie pode ser de 27% para a dentição decídua e de aproximadamente 35% para a dentição permanente, após cinco anos2,3,9,10,11,12,15,17.

Uma vez que os efeitos preventivos do flúor, amplamente reconhecidos, em ações de saúde pública, são maiores quando a água é empregada como veículo2,10,12,13,17,19,20,21 e considerando sua efetividade, custo e freqüência de consumo, a fluoretação das águas de abastecimento tem sido apontada como o melhor método sistêmico de exposição sistêmica ao flúor8,9,11,17,21,22,23,24. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é de proceder a uma revisão de literatura abordando desde a descoberta do flúor presente na água como elemento capaz de interferir nas condições de saúde bucal, legislação e sua ação no controle da cárie, sem a pretensão de esgotar o assunto.

Revisão

Em 1942, verificou-se que havia uma importante correlação diretamente proporcional entre a prevalência de fluorose dentária e concentração de íon flúor na água de consumo e, também, uma importante correlação e, esta inversamente proporcional, entre a presença de íon flúor e a prevalência de cárie dentária. Desde então, ficou estabelecido que o flúor presente na água de abastecimento público em uma concentração em torno de 1 mg/L promoveria a máxima redução no índice CPO-D, e que quando o teor excedia 1,5 mg/L, não havia melhora significativa no índice e, no entanto, predispunha a um aumento na ocorrência e na severidade de fluorose9,22. A constatação da fluorose dentária precedeu a adoção da fluoretação da água de abastecimento público como medida benéfica à saúde bucal. Da observação de tais efeitos e do desejo de investigá-los desencadeou-se uma série de estudos, que resultaram na descoberta da fluoretação da água de abastecimento público como medida de controle de cárie dentária2,9,25.

A Organização Mundial da Saúde, em 1958, reconheceu a importância da fluoretação e instituiu um Comitê de Peritos em fluoretação da água, que em seu primeiro relatório deu parecer favorável à fluoretação, indicando-a como uma medida de saúde pública. O mesmo Comitê sugeriu que pesquisas de outros métodos e veículos de aplicação tópica de flúor fossem desenvolvidas, a fim de permitir o uso do composto em locais onde a fluoretação não pudesse ser implantada. Durante a 22ª Assembléia Mundial de Saúde, em 1966, a mesma recomendação foi feita aos Estados-membros10.

A Organização Mundial da Saúde desenvolveu um programa para a promoção da fluoretação de água de abastecimento de comunidades, apresentado na 25ª Assembléia Mundial de Saúde, em 1975. Ressaltando que o problema da cárie dentária não seria resolvido por meio de procedimentos curativos, a Assembléia aprovou o programa e, ainda, enfatizou a importância de se utilizar o flúor nas concentrações adequadas na água de abastecimento. O programa obteve aprovação por unanimidade dos 148 países membros, incluindo os países que adotam outros métodos sistêmicos (Suécia, Holanda, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Itália, Suíça e outros)10.

A Federação Dentária Internacional (FDI), Fundação Kellogg (FK) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) realizaram, em 1982, a Conferência sobre Fluoretos, na qual seus participantes concluíram que a fluoretação da água de abastecimento público é uma medida ideal de saúde pública para o controle da cárie dentária em países onde existem serviços de tratamento de água. Considerando que a fluoretação é cientificamente comprovada como uma medida de controle, eficiente e segura, reafirmou-se que esta medida, além de implantada, deve ser mantida 10.

No Brasil, após oito anos de iniciados os estudos em Grand Rapids, a Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP), do Ministério da Saúde, implantou em 31 de outubro de 1953, o primeiro sistema de fluoretação de águas no Brasil. O primeiro município brasileiro a adicionar flúor nas águas de abastecimento público foi Baixo Guandu, no Espírito Santo. O teor de flúor natural da água era de 0,15 mg/L e teor ótimo final foi estabelecido em 0,8 ppm9. A implantação da fluoretação ocorreu um ano após a recomendação da mesma no X Congresso Brasileiro de Higiene26. Mantido como piloto, foi o pioneiro a comprovar os benefícios obtidos em outros países na redução da cárie dentária. O índice CPO-D, das crianças na faixa etária de 6 a 12 anos de idade, em 1967, após catorze anos de iniciada a fluoretação das águas, apresentou uma redução de 67%9.

Vários outros municípios brasileiros, posteriormente, passaram a adotar a fluoretação das águas de abastecimento público; em 1956, Marília iniciou a fluoretação9; 1961, Campinas27; 1962, Araraquara28; 1971, Piracicaba e Barretos 19,29; 1975, Bauru, Belo Horizonte e Santos30,31,32; 1980, Paulínia33; 1982, Vitória34 (Tabela 1). São Paulo, a capital do Estado, iniciou a fluoretação em 1985 e foi implantada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP).O teor adequado de flúor para o município gira em torno de 0,7 mg/L, a partir de onde se espera uma redução de 50% na incidência de cárie, sem submeter a população a nenhum risco de saúde; uma variação de 0,1 mg/L para mais ou para menos em relação à concentração ótima de 0,7 mgF/L é considerada como aceitável (0,6-0,8 mg/L)17. A primeira capital de Estado do país a fluoretar suas águas foi Curitiba, no Paraná, em 195835.

A partir de 1974, a fluoretação da água de abastecimento público passa a ser obrigatória no Brasil, onde existe Estação de Tratamento de Água (ETA), e é regulamentada por meio de legislação. A Lei Federal Nº 6.050, de 24 de maio de 1974, dispõe sobre a fluoretação da água em sistemas públicos de abastecimento, sendo devidamente regulamentada pelo Decreto Federal nº 76.872, de 22 de dezembro de 1975, que dispõe sobre a obrigatoriedade da fluoretação, estabelecendo que "os projetos destinados à construção ou ampliação de sistemas públicos de abastecimento de água, onde haja estação de tratamento, devem incluir previsões e planos relativos à fluoretação de água"36,37. Por sua vez, a Portaria do Ministério da Saúde nº 635/BSB, de 26 de dezembro de 1975, aprova e determina normas e padrões a serem seguidos, desde a concentração do íon flúor a ser utilizado, de acordo com as médias das temperaturas máximas anuais de cada região, até os compostos recomendados, para a correta implantação da fluoretação das águas de abastecimento1. Especificamente no Estado de São Paulo, a Resolução SS-250/95, de 15/08/95, estabelece que as águas dos municípios do referido Estado devem conter 0,7 miligramas de flúor por litro (0,7 ppm) e define como aceitável uma concentração entre 0,6 e o,8 mg/L, no teor de flúor. De acordo com a resolução, teor de flúor abaixo ou acima desse intervalo caracteriza água fora do "Padrão de Potabilidade", portanto, inaceitável para o consumo humano do ponto de vista de prevenção da cárie e da fluorose dentária38. Ainda com relação à legislação da água de abastecimento, são pertinentes à Portaria do Ministério da Saúde nº 518, de 25 de março de 2004, e Decreto nº 79.367, de 9 de março de 2004, os procedimentos e as responsabilidades relativas ao controle e à vigilância da qualidade da água para o consumo humano e seu padrão de potabilidade39.

Diversas medidas legais e ações oficiais têm sustentado a adoção da fluoretação como a principal medida de saúde pública na área odontológica a nível nacional. Após a lei 6.050, de 1975, foi firmada em 1983 a Exposição de Motivos 216 da Presidência da República, instituindo o Programa Nacional de Fluoretação da Água de Abastecimento Público com recursos do FINSOCIAL (substituído por COFINS) (US$6,7 milhões no 1º ano)14. Até o ano de 1989, foram disponibilizados recursos para a expansão do programa. O Ministério da Saúde, em 1989, ao estabelecer o Programa Nacional de Saúde Bucal (Portaria 613/GM), declarou que para o controle da cárie dentária há necessidade de fazer concomitantemente uso tópico e sistêmico (ingestão), de fluoretos em dosagens adequadas. Ainda segundo o ministério, a fluoretação da água de abastecimento público é o método de ingestão indicado. O Programa Nacional de Prevenção da Cárie Dentária também definiu a fluoretação como método de escolha para o controle em massa da cárie, considerando que seus efeitos têm sido sistematicamente comprovados14.

A expansão da fluoretação no país se deu de forma gradual, sendo que em 1972 a população beneficiada era de apenas 3,3 milhões de habitantes; em 1982, 25,7 milhões; em 1989, 60,4 milhões; em 1996, 68 milhões14,40; em 2003, mais de 70 milhões41.

O Estado de São Paulo brevemente estará alcançando 100% de fluoretação naqueles municípios que dispõem de sistema de tratamento de água. Num esforço conjunto entre CROSP, APCD e Secretaria da Saúde do Estado, foi firmado um acordo com o Governo do Estado em 10 de maio de 2004, no qual o governo firma convênio com 116 municípios a fim de que passem a ter água fluoretada. Na ocasião, o Governador do Estado, Geraldo Alckmin declarou: "Não tem como ter saúde se não tiver saúde bucal. O fato de ter um dente infeccionado é porta de entrada, de doenças [...]" 42.

Narvai et al.40, através da análise dos dados de estudos que utilizaram como instrumento de medida de cárie, o índice CPO-D, além de informações disponíveis no site do Ministério da Saúde na Internet, verificaram uma significativa redução nos valores do índice CPO-D no período 1980-1996. Para a idade de 12 anos, o índice que em 1980 era de 7,25 ("prevalência muito alta") apresentou uma consistente tendência de queda ao longo do período, atingindo o valor de 3,06 ("prevalência moderada"), em 1996. Observaram também uma redução bastante significativa para as idades entre 7 e 11 anos. Entre 1980 e 1996, a redução nos valores do índice para a idade de 12 anos foi de 57,8% . A prevalência para a idade de 12 anos mostra diferenças importantes de acordo com as macrorregiões do Brasil40 (Figura 1). Entre os anos de 1986 (índice CPO-D=6,66) e 1996 (índice CPO-D=3,06), houve uma redução de aproximadamente 54% na prevalência de cárie dentária aos 12 anos de idade40. Parte desta redução na prevalência de cárie é entendida como conseqüência da política de fluoretação da água de abastecimento público. Vale acrescentar que em 1996 os procedimentos de fluoretação atingiam 42% da população brasileira43. Acredita-se que em 2003 cerca de 50% da população recebiam este benefício, ou seja, mais de 70 milhões de habitantes41.

No ano 2000, o Ministério da Saúde iniciou a discussão sobre a realização de um amplo projeto de levantamento epidemiológico que avaliasse os principais agravos em diferentes grupos etários e que incluísse tanto população urbana como rural do Brasil. No Levantamento Epidemiológico de Saúde Bucal, foi aplicada uma técnica de amostragem por conglomerados em três estágios, que permitiu a produção de inferências para cada uma das macrorregiões brasileiras, por porte do município e para cada idade ou grupo etário. A primeira pré-estratificação referiu-se às cinco macrorregiões (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste). De cada macrorregião, foram incluídos cinqüenta municípios, por sorteio, perfazendo um total de 250 municípios participantes da amostra. Foram identificadas grandes diversidades regionais em todas as idades. Quanto à cárie dentária na dentição permanente, quase 70% das crianças brasileiras de 12 anos apresentaram pelo menos um dente permanente com experiência de cárie dentária. Para esta idade-índice, 31,08% apresentaram CPO-D igual a zero e, em média, 2,78 dentes com experiência de cárie dentária, tendo variado regionalmente: 3,13 (Norte), 3,19 (Nordeste), 2,30 (Sudeste), 2,31 (Sul) e 3,16 (Centro-Oeste). Embora as crianças de 12 anos de idade tenham apresentado valores de prevalência de cárie semelhantes aos padrões recomendados pela OMS para o ano 2000, foi relevante a variabilidade da distribuição dos valores e a existência de uma proporção significativa de crianças nesta idade com valores muito elevados44.

Discussão

Para que uma medida seja adotada em saúde pública na prevenção de doenças, esta deve preencher alguns requisitos básicos45. As características que fazem da fluoretação da água de abastecimento público uma grande medida de saúde pública no controle da doença cárie, quando implantada, são sua segurança, efetividade, facilidade de administração, baixo custo e sua abrangência populacional 6,7,8,9,10,11,14,15,45.

Embora nem todos os segmentos da população tenham acesso aos benefícios da fluoretação, por outro lado, tem-se observado um aumento na prevalência e, em uma menor extensão, na intensidade da fluorose dentária tanto nas comunidades adequadamente fluoretadas ou não. Estas constatações não surpreendem quando consideradas todas as fontes adicionais de ingestão de flúor disponíveis atualmente, que não existiam nas décadas de 40 e 50 quando se introduziu a fluoretação. O aumento na prevalência da fluorose dentária tem sido associado essencialmente ao uso precoce de dentifrícios fluoretados, uso indiscriminado de suplementos fluoretados na dieta e o consumo prolongado de fórmulas infantis7,45. Estima-se que mais de 60% da fluorose observada atualmente é conseqüência da ingestão das diferentes fontes de flúor, que não a água de abastecimento público46.

Com base nas informações de alguns levantamentos epidemiológicos realizados que estão de acordo com as pesquisas realizadas em laboratórios sobre a fluoretação da água e administração de flúor pós-eruptivo, é possível concluir que a adição regular de pequenas quantidades de flúor na boca, desde a erupção dentária, reduz o índice de cárie em cerca de 50%2,7,8,10,.20,25,30,45,47 .

Para avaliar a importância relativa ao consumo de água fluoretada no período pré e pós-eruptivo, é relevante examinar as informações clínicas de estudos onde as crianças foram examinadas em diferentes períodos. A significância da ação do flúor está centrada na sua ação pós-eruptiva, eminentemente tópica2,45,48. Considerando que todas as crianças do estudo Grand Rapids, de até 14 anos de idade, nasceram na cidade após a fluoretação ter sido implantada, é possível concluir que a quantidade de flúor presente na água consumida foi capaz de reduzir o índice de cárie em dentes em erupção, durante o período do estudo (quinze anos), em cerca de 50% 49. Em Bauru, após quinze anos de fluoretação, o índice CPO-D médio para as crianças de 12 anos de idade declinou cerca de 60%, de 9,89 em 1976, para 3,97 em 1990 30. Além destes, valores semelhantes foram observados em outros estudos após dez anos de fluoretação, que podem ser melhor avaliados na Tabela 119,26,28,29,31,32,33,34,50.

Algumas pesquisas sugerem que os níveis de cárie em crianças aumentam onde a fluoretação da água é interrompida ou encerrada, e nenhum outro método oferecido28,31,48,50. Estas considerações podem ser confirmadas quando se analisa o levantamento nacional de saúde bucal em escolares dos Estados Unidos, realizado em 1986/1987, onde as crianças que sempre viveram em cidade com água de abastecimento público fluoretada apresentaram um índice CPO-D 18% menor que aquelas que sempre viveram em áreas não fluoretadas. Embora a diferença média dos índices CPO-D entre as cidades fluoretadas e não fluoretadas apresentasse valores importantes no final da década de 80, a magnitude desta diferença parece estar diminuindo48. Um estudo longitudinal que ilustra muito bem o mecanismo de ação do flúor, principalmente através da água fluoretada, foi realizado nas cidades de Tiel e Culemborg, na Holanda, onde a fluoretação foi implantada em 1953. As crianças entre 7 e 18 anos foram examinadas a cada dois anos até o ano de 1971, quando a fluoretação foi interrompida em Tiel. No ano de 1988, quinze anos após a interrupção da fluoretação, a experiência de cárie na cidade de Culemborg era menor que a de Tiel, apesar do índice CPO-D em Tiel, naquele ano, ser menor do que em 19682.

Este conceito da dinâmica de redução da cárie é baseado em pesquisas sobre o efeito do flúor durante a ocorrência da desmineralização, onde as elevações freqüentes nos níveis de flúor na boca reduzem a perda mineral, reduzindo a progressão da lesão de cárie8,15,23,25,51,52. O consumo de água fluoretada não fornece apenas uma fonte de flúor tópico quando a água é ingerida, mas também quando o flúor circula pela boca através da saliva8,21,23, 25,45,51,52.

O flúor normalmente presente na cavidade bucal devido à fluoretação da água (flúor tópico) não é capaz de controlar completamente a ocorrência de cárie, mas reduz em torno de 50%. Sendo assim, a fluoretação é considerada uma medida econômica, capaz de reduzir significativamente a cárie de uma comunidade, e ainda, altamente efetiva do ponto de vista do administrador de saúde, pois um indivíduo recebe um composto de flúor que pode oferecer 50% de proteção para a doença cárie 25.

Em acréscimo, em uma população abastecida com água fluoretada, a concentração de flúor na placa durante grande parte do dia não é significativamente aumentada pelo uso de dentifrício fluoretado. Não está totalmente estabelecido por que os dentifrícios fluoretados, cujas concentrações de flúor normalmente variam entre 900 e 1000 mg/Kg, não têm se mostrado mais efetivos que a água fluoretada na prevenção à cárie dentária. Com base em considerações de dose-resposta, seria esperado que o uso regular de dentifrícios produzisse concentrações de flúor na placa consideravelmente maiores e que, teoricamente, desencadearia em um efeito cariostático maior51,52,53.

Embora as concentrações de flúor na placa e na saliva aumentem bruscamente durante o uso de um dentifrício ou enxaguatório fluoretados, ocorre um declínio rápido, havendo uma aproximação ou mesmo a tendência de se igualar às concentrações basais, dentro de uma a duas horas. Assim, em uma região abastecida com água fluoretada, pode ser que, apesar de uma ou mais elevações transitórias na concentração de flúor que aconteçam durante o dia, de acordo com a freqüência do uso do dentifrício de cada indivíduo, as concentrações de flúor durante a maior parte do dia são similares, independente do uso de dentifrício fluoretado51,52,53. Provavelmente, a maior eficiência na utilização diária de dentifrício fluoretado se deve ao fato deste procedimento possibilitar, ao mesmo tempo, o controle da placa bacteriana associado à aplicação tópica de flúor25,51,52,53.

Um outro importante aspecto a ser considerado com relação aos efeitos de controle sobre a cárie dentária, resultantes do uso do flúor, é que são específicos, de cada indivíduo e do tempo de exposição. Sendo assim, não podem ser experimentados por pessoas não diretamente expostas ao flúor. Ao contrário de outros métodos de prevenção de doenças, que resultam na erradicação de algum agente etiológico, os benefícios do flúor não são transmissíveis para as gerações futuras. Entretanto, é possível que, se a cárie dentária permanecer com índices baixos ou que estes declinem ainda mais, talvez a necessidade de continuar com a variedade e extensão dos programas de prevenção atualmente adotados seja questionada48.

Embora haja uma tendência em se afirmar que a ação da fluoretação no controle da cárie dentária está diminuindo, na verdade o que está acontecendo é um emprego disseminado do flúor. Em princípio, deve-se considerar que houve um aumento no uso de fontes alternativas de flúor, como suplementos, aplicações tópicas, dentifrícios, soluções para bochecho, vernizes e outros. Além deste, outro aspecto importante é o fato de que o benefício da fluoretação da água de abastecimento tem uma ação difusa (fenômeno da difusão), ou seja, os produtos e bebidas processados em áreas fluoretadas acabam beneficiando áreas não fluoretadas, onde são consumidos8,21,54. Segundo Horowitz55, a fluoretação da água de abastecimento público é tão efetiva como sempre foi capaz de controlar a cárie dentária em populações com alto risco à cárie dentária e sem acesso a outras fontes de flúor.

Considerando que a interrupção definitiva da fluoretação da água de abastecimento faz cessar os benefícios, a adição de quantidades insuficientes de flúor torna a medida inócua, enquanto que a adição de quantidade excessiva pode causar fluorose dentária26, todos os esforços devem ser feitos para que haja um permanente controle da fluoretação2, 7, 8,10,15,21,56. A monitoração constante dos equipamentos de fluoretação, bem como da manutenção da concentração de flúor dentro dos padrões recomendados, é um problema constante2,8,9,15, 17,21,45,56,57,58,59. A implantação de sistemas de heterocontrole da fluoretação da água de abastecimento público pode contribuir efetivamente para melhorar a qualidade da fluoretação17,57.

Segundo o Comitê Técnico-Científico de Assessoramento à Área Técnica de Saúde Bucal, "não fluoretar ou interromper sua continuidade deve ser considerada uma atitude juridicamente insustentável e socialmente injusta"60. A manutenção da fluoretação da água de abastecimento é fundamental para que o controle parcial da cárie, alcançado em alguns países que empregam este método, perpetue6,7,8,.10,15,17,20,21,48,55,56,57.

Conclusão

A fluoretação da água é reconhecida como um importante fator para o declínio da prevalência da cárie dentária. Portanto, além de ser mantida, deve ser monitorada, a fim de que o teor de flúor seja mantido dentro dos padrões adequados para o controle da cárie e prevenção da fluorose dentária. Programas de políticas públicas devem garantir a implantação da fluoretação das águas em municípios com sistemas de tratamento, possibilitando à população o acesso aos benefícios do flúor.

Colaboradores

I Ramires e MAR Buzalaf participaram igualmente de todas as etapas da elaboração do artigo.

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Artigo apresentado em 08/06/2005
Artigo aprovado em 15/08/2006
Versão final apresentada em 23/10/2006


Acesso original