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28 janeiro 2011

Urgências em traumatismos dentários: classificação, características e procedimentos

Revista Paulista de Pediatria
Print version ISSN 0103-0582
Rev. paul. pediatr. vol.27 no.4 São Paulo Dec. 2009
doi: 10.1590/S0103-05822009000400015

ARTIGO DE REVISÃO


Urgências em traumatismos dentários: classificação, características e procedimentos


Dental traumatism urgencies: classification, signs and procedures


Mariane Emi SanabeI; Lícia Bezerra CavalcanteII; Cármen Regina ColdebellaIII; Fabio Cesar B. de Abreu-e-LimaIV

IDoutora em Ciências Odontológicas pela Faculdade de Odontologia de Araraquara da Unesp, Araraquara, SP, Brasil
IIMestre em Ciências Odontológicas da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Unesp, Araraquara, SP, Brasil
IIIDoutoranda em Ciências Odontológicas da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Unesp, Araraquara, SP, Brasil
IVProfessor assistente Doutor da Disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Unesp, Araraquara, SP, Brasil


RESUMO

OBJETIVO: Discutir os aspectos das urgências odontológicas relacionadas aos traumatismos dentários, disponibilizando mais informações para médicos pediatras ou plantonistas de serviços de atendimento de urgências e emergências.
FONTES DE DADOS: O levantamento dos dados foi realizado na base de dados Pubmed e Bireme, selecionando os artigos dos últimos 13 anos. As palavras-chave utilizadas foram: traumatismo dentário, dente decíduo e dente permanente. Os critérios de inclusão utilizados foram: artigos em inglês e português sobre incidência, prevalência e etiologia, guias de procedimentos e casos clínicos apenas de traumatismo dentário, sendo excluídos artigos de clareamento de dentes traumatizados, traumas faciais ósseos e casos clínicos de acompanhamento reduzido.
SÍNTESE DOS DADOS: Os dados foram descritos de forma concisa para se tornar um guia de fácil leitura e rápido acesso em relação à conduta, necessidade de atendimento imediato e correta escolha de soluções para armazenagem dos dentes e fragmentos.
CONCLUSÕES: O conhecimento sobre o assunto, a agilidade no tratamento de urgência e o correto encaminhamento do paciente proporcionam melhor prognóstico.

Palavras-chave: dente; traumatismo dentário; dente decíduo; dente permanente.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The aim of this literature review is to discuss the clinical aspects of dental urgencies related to dental traumatisms, providing more information for health professionals who work in emergency units, such as pediatricians or physicians on-call and nurses.
DATA SOURCE: The studies were searched and selected in the Pubmed and Bireme databases, from the past 13 years. The keywords were: tooth injuries, deciduous tooth and permanent tooth. The inclusion criteria were: articles written in English and Portuguese related to incidence, prevalence, cause, guidelines and case reports of dental traumatism. Studies about dental bleaching in dental trauma, face bone trauma and reduced post-operative case reports were excluded.
DATA SYNTHESIS: The data were briefly described so that it can be easily read and quickly accessible regarding procedures, urgency attention and correct choice for dental and fragment storage.
CONCLUSIONS: The knowledge on the subject, the agility to deal with urgent situations and the correct patient follow-up improve prognosis.

Key-words: tooth; tooth injuries; tooth, deciduous; tooth, permanent.


Introdução

O traumatismo dentário é uma situação de urgência, frequente nos consultórios odontopediátricos. Muitas vezes, porém, o atendimento que deveria ser imediato não é efetivamente realizado devido à falta de conhecimento de pais e responsáveis(1,2) ou pelo fato de o primeiro atendimento ser realizado em prontos-socorros, clínicas médicas ou postos de saúde(3). Esses fatores, associados à falta de conhecimento dos profissionais de saúde sobre traumatismos dentários, ocasionam adiamento da avaliação pelo cirurgião dentista(4,5), afetando o seu prognóstico.

Consideram-se lesões traumáticas dentárias desde uma simples fratura em esmalte até a perda definitiva do elemento dentário. Existe uma predominância de traumatismos dentários em indivíduos do sexo masculino(6-8), especialmente em idade escolar e em fase de crescimento(9), como consequência de quedas, brigas ou lutas, acidentes esportivos, automobilísticos, traumatismos com objetos e maus tratos(6-8). Situações de urgência envolvendo cabeça e pescoço frequentemente se tornam experiências dramáticas para os pais e para as crianças. As lesões que envolvem os dentes anteriores (incisivos centrais, incisivos laterais e caninos) podem resultar em efeitos desfavoráveis na função e causar sintomatologia dolorosa, afetando diretamente a autoestima, o comportamento e o sucesso pessoal, especialmente se há perda dentária permanente(10,11). O objetivo dessa revisão é fornecer informações atualizadas sobre traumatismos dentários a médicos pediatras, enfermeiros e outros profissionais da saúde quanto à ocorrência e à conduta clínica, com o objetivo de promover o bem-estar das crianças envolvidas e de suas famílias.

O levantamento dos dados contidos nesta revisão da literatura foi realizado por meio da base de dados Pubmed e da base de dados da Biblioteca Brasileira de Odontologia (Bireme). Foram selecionados artigos publicados nos últimos 13 anos em revistas de impacto internacional na área de traumatismo dentário e na odontologia nacional. As palavras-chave utilizadas para a seleção dos artigos foram: traumatismo dentário, dente decíduo e permanente; foram incluídos artigos em inglês e português sobre prevalência e etiologia, guias de procedimentos e casos clínicos apenas de traumatismos dentários; foram excluídos os artigos de clareamento de dentes traumatizados, traumas faciais e casos clínicos de reduzido acompanhamento. A revisão de literatura deste trabalho foi redigida na forma 'conduta clínica e procedimentos', com o objetivo de se tornar um guia atualizado de fácil acesso e consulta para os profissionais da saúde.



Conduta clínica e procedimentos

A experiência do profissional é essencial para o bom andamento do tratamento após o traumatismo. É necessário, inicialmente, acalmar os pais e o paciente para que se consiga obter informações precisas durante a realização da anamnese, com vistas a estabelecer um diagnóstico preciso e confiável, por meio de perguntas simples sobre onde, como e quando ocorreu o traumatismo(12).

A classificação e as características clínicas apresentadas nas Tabelas 1 e 2 foram adaptadas de Andreasen et al(9) e descritas de acordo com o Guia para o Manejo de Lesões Traumáticas Dentárias(13,14), desenvolvido em 2007 por especialistas de vários países pertencentes à Associação Internacional de Traumatologia Dental e classificadas em traumatismos dentários, do osso alveolar, luxações e avulsões dentárias.

Nas fraturas em esmalte e dentina sem exposição pulpar (Figura 1A), é dispensável o atendimento de urgência, pois a literatura mostra que o prognóstico é favorável mesmo quando o tratamento é tardio; entretanto, o atendimento odontológico é necessário para avaliação e tratamento do caso. Fratura coronária com exposição pulpar (Figuras 1B e 1C), luxação intrusiva (Figura 2C), concussão, subluxação, e traumatismo em dentes decíduos são considerados de gravidade moderada; entretanto, necessitam de atendimento imediato(15). Avulsão, fratura radicular (Figuras 2A e 2B) e fratura alveolar são consideradas situações agudas mais sérias e também devem receber atendimento imediato(14).

O atendimento de urgência nos traumatismos dentários considerados agudos garante melhor prognóstico do caso, evitando que ocorra necrose pulpar ou perda precoce do elemento dentário. Em qualquer caso considerado agudo, o paciente deve ser imediatamente encaminhado a um cirurgião-dentista para que sejam realizados os procedimentos necessários com materiais adequados.

Discussão

É alta a frequência de traumatismos dentários em crianças e adolescentes. Indivíduos que apresentam selamento labial inadequado e que possuem protrusão da maxila maior que 5mm em relação à mandíbula são mais suscetíveis à ocorrência de traumatismos dentários(16).

Segundo Proprokowitsch et al(6), em um estudo realizado na Clínica Endodôntica da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) em 1995, dentre os traumatismos dentários da dentadura permanente, a fratura coronária sem exposição pulpar ocorreu com maior frequência (23%), seguido de avulsão dental (21%), subluxação (12%) e fratura radicular (9%). Concussão, fratura coronária com exposição pulpar, luxação intrusiva, extrusiva, lateral e fratura de esmalte somaram os 35% restantes, com maior prevalência no sexo masculino (66%) e faixa etária de 7 a 10 anos (40%). Os acidentes ocorreram em sua maioria dentro de casa (35%), seguido por queda de bicicletas (18%), acidentes automobilísticos (16%), queda de escada (9%), além de brigas ou agressões, prática de esportes, acidentes com corpos estranhos e quedas na piscina em menor proporção. As consequências dos traumatismos dentários em dentes permanentes podem ser: alteração de cor, mobilidade, necrose pulpar, reabsorções ósseas e dentárias - se não tratado adequadamente -, o que pode ser ocasionada pela falta de tratamento imediato ou pelo prognóstico individual do caso.

Em estudo realizado na Clínica de Urgência Odontopediátrica da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por Porto et al(8), os traumatismos em dentes decíduos ocorreram nos tecidos de sustentação em 79% dos casos, luxação lateral em 28%, subluxação em 14%, avulsão em 11%, seguido de luxação extrusiva, concussão e fratura de alvéolo. A prevalência do traumatismo dentário foi de 20% no estudo de Porto et al(8) e 37% no de Granville-Garcia et al(2) em pré-escolares de Recife (PE). A faixa etária dos 2 aos 4 anos foi a mais prevalente em ambos os estudos; entretanto, nessa faixa etária, não houve diferença entre o sexo masculino e feminino. A maior ocorrência de fraturas nos tecidos de sustentação se deve ao fato de que o osso alveolar possui maior resiliência em relação ao osso alveolar permanente(9). Como consequência das agressões a dentes decíduos, principalmente da luxação intrusiva, pode haver hipoplasia de esmalte, interrupção da formação dental, defeitos de textura, alteração no posicionamento ou erupção, má formação da coroa e raiz e distúrbios na mineralização(17).

A higiene bucal com escovas dentárias macias e a limpeza com solução de clorexidina a 0,1% é necessária após o trauma dental para prevenir o acúmulo do biofilme dental e melhorar o prognóstico no trauma dentário(13,14).

A conduta e procedimentos descritos neste texto tiveram como objetivo aumentar o conhecimento de médicos pediatras, enfermeiros e auxiliares sobre os traumatismos dentários e melhorar a qualidade da orientação aos pais ou responsáveis diante dessas situações(1,3,18,19).

A negligência em relação ao tratamento odontológico após o traumatismo dentário pode ter como consequência alteração de cor, mobilidade, alteração de posição na arcada dentária, sintomatologia dolorosa, sensibilidade, reabsorções radiculares ou óssea, necrose e perda do elemento dental, os quais podem acarretar dificuldades de convívio social, baixa autoestima das crianças e problemas de relacionamentos futuros, principalmente pela ausência do elemento dentário(10,11).

Os dados apresentados refletem a necessidade de os profissionais da saúde estarem aptos a reconhecer e informar os pais e/ou responsáveis sobre a melhor conduta a ser adotada diante de um trauma dentário.

Conclusão

A ocorrência de traumatismo dentário é frequente em crianças e adolescentes, e o primeiro atendimento ao paciente, a conduta correta frente ao trauma e a agilidade para encaminhar o caso ao especialista são de extrema importância para o prognóstico.

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Endereço para correspondência:
Mariane Emi Sanabe
Rua Costa Aguiar, 2324 - Ipiranga
CEP 04204-002 - São Paulo/SP
Email: emisanabe@hotmail.com

Recebido em: 6/10/08
Aprovado em: 15/2/09


Instituição: Departamento de Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Araraquara, SP, Brasil

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05 janeiro 2011

Lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama

Anais Brasileiros de Dermatologia

Print version ISSN 0365-0596

An. Bras. Dermatol. vol.82 no.6 Rio de Janeiro Nov./Dec. 2007

doi: 10.1590/S0365-05962007000600008

CASO CLÍNICO

Lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama*

Amalgam-related oral lichenoid lesion

Vanessa de Fátima BernardesI; Bruna Gonçalves GarciaII; Giovanna Ribeiro SoutoIII; João Batista Novaes-JuniorIV; Maria Cássia Ferreira de AguiarV; Ricardo Alves MesquitaVI

IMestranda em Patologia Bucal. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil
IIMestranda em Patologia Bucal. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil
IIICirurgiã-dentista. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil
IVProfessor adjunto. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil
VProfessor adjunto. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil
VIProfessor adjunto. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência/Mailing Address


RESUMO

A lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama, condição rara na prática odontológica, constitui importante diagnóstico diferencial no grupo das leucoplasias orais. Relatam-se dois casos que apresentaram rápida resolução clínica após a substituição das restaurações de amálgama.

Palavras-chave: Amálgama dentário; Erupções liquenóides; Leucoplasia; Líquen plano bucal


ABSTRACT

Amalgam-related oral lichenoid lesion, a rare disorder in dental practice, is an important differential diagnosis among oral leukoplastic lesions. We report two cases with rapid clinical resolution following the replacement of amalgam fillings.

Keywords: Dental amalgam; Leukoplakia; Lichenoid eruptions; Lichen planus, oral


INTRODUÇÃO

A lesão liquenóide oral relacionada a materiais restauradores, rara na prática odontológica, pode representar manifestação de irritação crônica em alguns pacientes, enquanto em outros resulta de hipersensibilidade tardia de contato.1 Restaurações de amálgama contendo mercúrio e apresentando corrosão são consideradas o principal fator etiológico.2

A lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama (LLORA) é bastante polimorfa, podendo apresentar-se clinicamente sob forma estriada, reticular, semelhante à placa, eritematosa, erosiva, vesiculosa e ulcerativa. Os sintomas relatados são, em geral, ardência, desconforto, prurido, dor ou gosto metálico.2 A LLORA ocorre principalmente na mucosa jugal, língua e gengiva.3 O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos, incluindo as características da lesão e sua relação direta com restaurações, sendo necessário o exame histopatológico para se confirmar a natureza das lesões.2,4 A substituição das restaurações pode ocasionar a resolução clínica completa da lesão ou alívio dos sintomas em curto período de tempo. Entretanto, em alguns casos, a melhora do quadro é observada após três meses.2,5

RELATO DOS CASOS

CASO 1

Paciente do sexo feminino, 77 anos, compareceu à Clínica de Patologia queixando-se de queimação, presente por dois meses, associada a placas brancas na boca. A história médica foi irrelevante, e o exame intrabucal revelou a presença de placas brancas estriadas na mucosa jugal, localizadas na região correspondente aos dentes primeiro a terceiro molares superiores direitos, primeiro e segundo molares superiores esquerdos, primeiro e segundo pré-molares inferiores esquerdos, primeiro e segundo pré-molares inferiores direitos. Todas as lesões estavam associadas a restaurações de amálgama classe V, que apresentavam corrosão e percolação marginal (Figura 1A). Com as hipóteses diagnósticas de LLORA e líquen plano oral (LPO), realizou-se biópsia incisional com fixação em formol tamponado a 10%. Na coloração de hematoxilina- eosina observou-se epitélio estratificado pavimentoso com áreas focais de degeneração das células da camada basal. A lâmina própria adjacente apresentava intenso infiltrado inflamatório crônico linfocitário, distribuído em banda, e agregados linfóides em profundidade no tecido conjuntivo frouxo. O diagnóstico foi compatível com LLORA. O amálgama foi substituído por resina composta, com resolução clínica completa das lesões após cinco meses, corroborando assim o diagnóstico final de LLORA. O seguimento de 12 meses não revelou sinais de recorrência (Figura 1B).

CASO 2

Paciente do sexo feminino, 38 anos, encaminhada à clínica de Patologia Bucal por apresentar há um ano lesão branca, assintomática, na boca. A história médica não foi contributária. O exame intrabucal revelou lesão em placa na mucosa jugal na região correspondente ao segundo molar superior direito e em contato direto com restauração de amálgama classe I (Figura 1C). O dente apresentava- se em posição vestibular, favorecendo o contato da restauração em amálgama com a mucosa jugal durante a oclusão. O material restaurador exibia sinais de corrosão e percolação marginal. Com as hipóteses clínicas de LLORA e LPO, procedeu- se à biópsia incisional. Os achados histopatológicos foram semelhantes aos descritos no caso 1. O diagnóstico foi compatível com LLORA, e, 14 dias após a substituição do amálgama dental por resina composta, houve resolução clínica completa do quadro. A proservação de seis meses não indicou sinais de recorrência (Figura 1D).

DISCUSSÃO

Os achados clínicos e histopatológicos, e a resolução clínica das lesões após a substituição do material restaurador nos casos apresentados suportam o diagnóstico de LLORA. O uso do amálgama dental tem sido discutido durante décadas devido aos efeitos tóxicos de seus componentes, entre eles o mercúrio.4,6 Embora seja empregado há mais de 150 anos, persistem as questões sobre seu potencial alergênico e suas reações tóxicas na mucosa oral.2 Dermatites de contato alérgicas por amálgama têm sido relatadas, sendo o mercúrio o principal fator etiológico.3,7 Tal afirmação baseia-se no aumento da freqüência de hipersensibilidade ao mercúrio em pacientes com LLORA e na resolução das lesões após a substituição do material restaurador. 7,8

Restaurações de amálgama presentes por muitos anos podem sofrer corrosão e reações eletroquímicas que permitem liberação de íons metálicos.3 As restaurações apresentavam corrosão e percolação marginal nos dois casos relatados. Na maioria das vezes, o agente causador é o mercúrio, mas outros componentes do amálgama, como o cobre, estanho ou zinco, podem estar relacionados.3 Outra causa aventada são as reações imunológicas ou tóxicas associadas ao acúmulo de placa na superfície das restaurações.2 Entretanto, os pacientes do presente estudo apresentavam boa higiene oral.

A LLORA pode ser observada em 2% da população adulta,3 sendo mais prevalente em mulheres (7,5:1), com média de idade de 53 anos.2 A lesão localiza-se freqüentemente na mucosa jugal na região de molares e borda de língua. 2,9 Aspectos clínicos incluem lesões brancas, reticulares, erosivas ou em placa.3 Os casos descritos apresentavam os padrões reticular e em placa. As lesões de LLORA são similares às de LPO. Contudo, delas podem ser diferenciadas clinicamente por sua relação direta com restaurações de amálgama e sua tendência à distribuição assimétrica. 4,9

O diagnóstico de LLORA depende de exame histopatológico, para verificação da natureza das lesões, e da remoção de substâncias suspeitas. Tendo sido o diagnóstico histopatológico compatível com o clínico, optou-se pela substituição do amálgama por resina composta. A confirmação final, contudo, só é obtida com a resolução clínica das lesões após a substituição do material restaurador, 4 o que foi observado nos dois casos relatados.

Por ser condição algumas vezes sintomática, a remoção do amálgama é recomendada.9 Um dos casos relatados apresentava sensação de ardência, enquanto o outro era assintomático. Nos dois casos, a remoção do material foi indicada. Outros tratamentos têm sido propostos, incluindo o uso de corticosteróides tópicos, intralesionais e orais, retinóides e antifúngicos tópicos, nenhum demonstrando, porém, resultados significativos na melhora dos sinais e sintomas.3

Os testes de contato (patch tests) mostram valor limitado no diagnóstico da LLORA.3,9 Alguns estudos sugerem que esses testes não são úteis, uma vez que se mostraram negativos em pacientes que se beneficiaram com a remoção do amálgama dental.8-10

A presença de restauração de amálgama em contato com a mucosa bucal e lesão liquenóide adjacente são fatores indicativos para a remoção do material restaurador, objetivando-se a melhora do quadro e o diagnóstico diferencial com outras lesões leucoplásicas orais. q

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Endereço para correspondência/Mailing Address
Ricardo Alves Mesquita
Faculdade de Odontologia da UFMG, sala 3204
Av. Antônio Carlos, 6627. Pampulha
31270 901 - Belo Horizonte - MG
Tel./Fax: (31) 3499 2478 / (31) 3499 2472
E-mail: ramesquita@ufmg.br

Recebido em 17.10.2006.
Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 28.09.2007.
Suporte financeiro / Financial funding: CNPq (301736/2004-9; 502978/2004-0; 302047/2004-2) e FAPEMIG (CDS 895/05).

* Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil.
Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None

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Líquen plano oral (LPO): diagnóstico clínico e complementar

Anais Brasileiros de Dermatologia

version ISSN 0365-0596

An. Bras. Dermatol. vol.85 no.5 Rio de Janeiro Sept./Oct. 2010

doi: 10.1590/S0365-05962010000500010

REVISÃO

Líquen plano oral (LPO): diagnóstico clínico e complementar*

Alan Motta do CantoI; Helena MüllerII; Ronaldo Rodrigues de FreitasIII; Paulo Sérgio da Silva SantosIV

ICirurgião-dentista; residente do Serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil
IIEspecialista em Patologia Geral; professora adjunta da disciplina de Ciências Patológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil
IIIDoutor em Medicina; chefe do Serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil
IVMestre e Doutor em Patologia Bucal; Professor do Departamento de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência


RESUMO

O líquen plano é uma desordem comum do epitélio escamoso estratificado que acomete as mucosas oral e genital, a pele, as unhas e o couro cabeludo. O líquen plano oral (LPO) afeta mulheres de meiaidade e apresenta padrões e distribuição característicos, como estriações brancas, pápulas ou placas brancas, eritema, erosões e bolhas, que podem estar associadas a medicações e/ou materiais dentários no paciente. O diagnóstico clínico somente poderá ser feito se a doença apresentar padrões clássicos, como lesões concomitantes na mucosa oral e na pele. O diagnóstico laboratorial por meio do exame histopatológico se caracteriza pela presença de projeções do epitélio em forma de dentes de serra e corpos de Civatte, e possibilita excluir condições de displasia e malignidade. A imunofluorescência direta é utilizada em suspeita de outras doenças, como pênfigo e penfigoide. O LPO é tratado com agentes anti-inflamatórios, principalmente, corticosteroides tópicos, e novos agentes e técnicas têm-se demonstrado eficazes. A transformação maligna do LPO e sua incidência exata permanecem controversas. Este trabalho tem como objetivo apresentar, com base na revisão da literatura, a etiopatogenia, o diagnóstico clínico, exames complementares e complicações do LPO.

Palavras-chave: Diagnóstico bucal; Líquen plano bucal; Mucosite


INTRODUÇÃO

O líquen plano é uma doença crônica autoimune mediada por linfócitos T que afeta o epitélio escamoso estratificado. A designação e a descrição da patologia foram apresentadas pelo médico inglês Erasmus Wilson em 1866. Além disso, ele sugeriu que sua etiologia poderia ser decorrente de "tensões nervosas".1 Louis-Frédéric Wickham acrescentou à descrição da lesão stries et punctuations grisatres" (estrias e pontos acinzentados), denominados, posteriormente, estrias de Wickham, em 1895.2

Esta dermatose acomete, normalmente, a mucosa oral, mas pode ocorrer na pele, nas unhas e na mucosa genital. É comum em mulheres de meiaidade na proporção de 3:2 em relação aos homens. O envolvimento em crianças é raro.3,4,5

A etiologia dessa doença permanece desconhecida, mas vários fatores causais têm sido associados, entre os quais: ansiedade, diabetes, doenças autoimunes, doenças intestinais, drogas, estresse, hipertensão, infecções, materiais dentários, neoplasias, predisposição genética.4,6 Embora a etiologia não tenha sido claramente identificada, a patogênese é mais bem definida. O principal evento é o assalto linfocitário localizado aos queratinócitos da camada basal da mucosa. Os linfócitos T induzem apoptose e degeneração celular e perpetuam o processo ao liberar quimiocinas no sítio inflamatório.4,6

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

O diagnóstico do líquen plano oral (LPO) deve ser feito por meio de exames clínico e histológico. No entanto, em lesões clássicas, é possível realizar o diagnóstico com base somente na aparência clínica. As apresentações clínicas dessa patologia variam muito, podendo, em alguns casos, apresentar um início silencioso e passar despercebido ao exame.4

As lesões do LPO, normalmente, persistem por anos, com períodos de exacerbação e quiescência. Durante o período de exacerbação, tanto a área eritematosa ou ulcerada quanto a sensibilidade dolorosa aumentam.4 Exacerbações do LPO estão relacionadas a períodos de estresse psicológico, ansiedade e trauma mecânico (fenômeno de Koebner). A irritação crônica de baixa intensidade proveniente da placa ou cálculo dentário também pode causar agudização do líquen plano gengival e é considerada fenômeno de Koebner, assim como o trauma mecânico de procedimentos odontológicos, calor e irritantes do cigarro, fricção de cúspides cortantes, restaurações rugosas e hábitos orais, como mascar chicletes.7,8

Na inspeção, o LPO pode se apresentar como estrias brancas (estrias de Wickham) na superfície da mucosa, pápulas ou placas de cor branca, lesões atróficas, atrófico-erosivas ou vesiculares. O LPO tipo erosivo, atrófico ou bolhoso é acompanhado de sintomatologia dolorosa variável.8 A variante gengival apresenta, geralmente, eritemas ou úlceras confinadas à gengiva. Devido à semelhança clínica com inflamação gengival, é denominado gengivite descamativa. Os locais mais acometidos são mucosa jugal, dorso da língua, gengiva, mucosa labial e lábio inferior (vermelhão).3,4,5,6

O diagnóstico do LPO é feito, normalmente, por meio do exame clínico e histológico. No entanto, em lesões clássicas (estrias brancas bilaterais em mucosa jugal), é possível realizar o diagnóstico com base, apenas, na aparência clínica. O diagnóstico diferencial inclui reações liquenoides a drogas ou materiais dentários, leucoplasia, lúpus eritematoso e doença do enxerto versus hospedeiro em pacientes transplantados de medula óssea. O quadro de gengivite descamativa também pode ser confundido com outras doenças, como pênfigo, penfigoide, dermatite herpetiforme ou doença linear IgA; portanto, exames complementares são de fundamental importância para o diagnóstico e exclusão de malignidade de todos os casos.3,4,6

Entre os exames complementares, o mais importante é a imunofluorescência direta, que auxilia nos casos difíceis de lesões bolhosas de LPO que podem se assemelhar a outras doenças.3,4,9

Em alguns casos, os pacientes com LPO podem apresentar lesões concomitantes na pele (15%), na mucosa genital (25% das mulheres e 2%-4% dos homens), no couro cabeludo (liquen planopilar), nas unhas, nas mucosa esofágica, na laringe e nas conjuntivas.10

Lesões Intraorais

O LPO possui seis apresentações clínicas clássicas descritas na literatura: reticular, erosiva, atrófica, tipo placa, papular e bolhosa.11,12

Reticular: É a forma clínica mais comum e apresenta finas estrias brancas que se entrelaçam, denominadas ''estrias de Wickham". Em geral, essas lesões não são estáticas, melhorando e piorando em semanas ou meses. As lesões, usualmente, são assintomáticas, apresentam padrão bilateral, simétrico e acometem mucosa jugal posterior na maioria dos casos (Figuras 1 e 2).3,8,13

Erosiva: A forma clínica erosiva é mais significativa, pois apresenta lesões sintomáticas. Clinicamente, observa-se ulceração irregular central coberta ou não por placa de fibrina ou pseudomembrana. A lesão costuma ser circundada por finas estrias radiantes queratinizadas ou rendilhadas3 (Figuras 3 e 4).

Atrófica: O LPO atrófico apresenta lesões avermelhadas difusas, podendo aparentar ser uma mistura de duas formas clínicas, como a presença de estrias brancas características do tipo reticular circundada por uma área eritematosa.14

Tipo Placa: Este tipo apresenta irregularidades esbranquiçadas e homogêneas que se assemelham a leucoplasia, ocorrendo, principalmente, em dorso de língua e mucosa jugal. As lesões podem ser multifocais, que mudam de aspecto, tornando-se elevadas e/ou rugosas (principalmente em tabagistas).6

Papular: Esta forma é raramente observada e é normalmente acompanhada de algum outro tipo de variante descrita. Apresenta pequenas pápulas brancas (0,5mm a 1,0mm. de diâmetro) com estriações finas na sua periferia.15

Bolhosa: O tipo bolhoso é a forma clínica mais incomum e apresenta bolhas que aumentam de tamanho e tendem à ruptura, deixando a superfície ulcerada e dolorosa. A periferia da lesão é, em geral, circundada por estrias finas e queratinizadas.3,16

Gengivite Descamativa

Aproximadamente 10% dos pacientes com LPO apresentam lesões confinadas somente à gengiva.1 O líquen plano gengival é caracterizado por uma área eritematosa ou ulcerada localizada em gengiva inserida associada a pequenas áreas esbranquiçadas, condição denominada gengivite descamativa.4

Quando ocorrem lesões bolhosas, a gengivite descamativa não é sinal patognomônico de LPO, uma vez que pode estar associada a outras doenças, como penfigoide, pênfigo vulgar, dermatite herpetiforme ou doença linear IgA.17,18

A tríade composta por líquen plano descamativo ou erosivo envolvendo a vulva, a vagina e gengivas foi denominada síndrome vulvovaginal-gengival.19

No estudo de Di Fede et al., foi observada a presença de líquen plano vaginal em 88% das 41 pacientes que apresentavam LPO. Curiosamente, 92,3% das pacientes relataram ausência de sintomas genitais. Portanto, toda mulher que apresentar lesões de LPO, mesmo na ausência de sintomas genitais, deve ser submetida a uma avaliação multidisciplinar. Esse procedimento visa a diagnosticar líquen plano genital.20

As lesões gengivais podem ser queratinizadas, vesiculobolhosas, atróficas e erosivas.21

Queratinizadas: As lesões queratinizadas são, normalmente, encontradas em gengiva inserida sob a forma de pequenas elevações esbranquiçadas com superfície plana, podendo ser classificadas como: papulares, placas, lineares, reticulares (estrias de Honilton) ou anulares.

Vesiculobolhosas: Estas lesões são mais comuns na gengiva e, quando presentes, podem dificultar o diagnóstico.

Atróficas: As lesões atróficas produzem o tipo mais comum de lesão gengival do LPO, a gengivite descamativa.

Erosivas: As lesões erosivas também produzem gengivite descamativa.

Lesões Extraorais

As lesões cutâneas ocorrem, geralmente, em indivíduos entre 25 e 60 anos, não apresentam predileção racial nem sexual e acometem de 2% a 3% dos pacientes com LPO.6 São divididas em cutâneas, genitais, ungueais, actínicas, hipertróficas, vesiculobolhosas e mistas.

DIAGNÓSTICOS COMPLEMENTARES

Microscopia Óptica

Histopatologicamente, o líquen plano apresenta características típicas, porém não específicas, já que reação liquenoide a medicamentos e ao amálgama,22 lúpus eritematoso, estomatite crônica ulcerativa e reação da mucosa bucal à casca de canela também podem mostrar padrão histopatológico semelhante.3

A predileção pela epiderme, especificidade MHC e células T produzem um resultado histopatológico semelhante ao líquen plano e podem estar presentes na doença do enxerto vs. hospedeiro (GVHD) em transplantados de medula óssea.6

As características histopatológicas clássicas devem ser encontradas para um diagnóstico definitivo de LPO. São elas: degeneração liquefativa da camada basal (degeneração hidrópica), infiltrado inflamatório denso de linfócitos T em forma de banda, maturação normal do epitélio, proeminências anatômicas com aparência de dentes de serra, corpos de Civatte (coloides) e hiperqueratose (ortoceratose ou paraceratose) (Figuras 5 e 6).23

Algumas lesões podem apresentar infecção por cândida; no entanto, para uma correta interpretação histopatológica, esse quadro infeccioso deve ser tratado antes.3

Os critérios histopatológicos considerados como de exclusão do líquen plano são: ausência de degeneração liquefativa das células basais, infiltrado com população celular heterogênea, morfologia celular atípica, alargamento nuclear, atividade mitótica intensa, proeminências anatômicas rombas, ausência de corpos de Civatte e queratinização anormal. Se esses critérios fossem incluídos no diagnóstico, a displasia seria considerada um achado comum no LPO.4

Biópsias de mucosa jugal e gengival podem ser necessárias e costumam demonstrar similaridade patológica; contudo, deve-se evitar biopsiar a gengiva. Quando a mucosa gengival é biopsiada, as características histopatológicas do LPO podem estar alteradas por uma gengivite inespecífica complicando o diagnóstico.24 Nesse caso, a imunofluorescência direta deve ser utilizada como meio auxiliar no diagnóstico.25

Imunofluorescência Direta

A sensibilidade da imunofluorescência direta depende da doença analisada e a sensibilidade para essa técnica é positiva para 65,8% dos pacientes com LPO.9

A positividade para LPO é considerada quando há deposição de IgA, IgG, IgM ou C3 ao longo da zona da membrana basal, além de fibrinogênio na membrana basal em padrão desordenado. As áreas intraorais com maior sensibilidade à imunofluorescência direta são assoalho bucal, mucosa labial superior, palato duro e mucosa jugal. Os piores locais intraorais para realização de estudo de imunofluorescência direta são gengiva e dorso de língua.9

O uso do punch no lugar da lâmina de bisturi demonstrou melhor detecção para imunofluorescência direta.9

Normalmente, no líquen plano, a imunofluorescência direta é realizada na mucosa lesional. No entanto, a biópsia de tecidos lesionais costuma ser problemática para a imunofluorescência direta. Os depósitos imunes são degradados pela inflamação intensa na membrana basal, causando resultado falso negativo.9

Não há diferença na sensibilidade da imunofluorescência direta entre biópsias realizadas em tecidos perilesionais (raio de até 1cm da lesão) ou distantes (raio maior de 1cm da lesão). Isso ocorre porque o depósito imune pode estar presente em todo o tecido oral, não somente em localizações próximas à lesão. Esse fato explica por que biópsias feitas em tecidos distantes da lesão apresentam resultados positivos na imunofluorescência direta. Áreas distantes da lesão também proporcionam mais opções de amostras nos casos em que a obtenção do tecido é dificultada.9

Malignização do LPO

A questão do potencial de malignidade do líquen plano, particularmente na forma erosiva, ainda não está resolvida. As evidências mais concretas do potencial maligno são observadas em estudos de acompanhamento a longo prazo e incidência retrospectiva dos pacientes; no entanto, o assunto ainda permanece muito controverso.4,6

Os estudos que apresentaram desenvolvimento do carcinoma de células escamosas em lesões de LPO parecem seguir resultados bastante uniformes. Em média, a amostragem envolve 200 pacientes e a frequência de malignização varia de 0% a 5,3% em acompanhamentos de seis meses a 20 anos. De acordo com a variante de LPO apresentado, os tipos atrófico, ulcerado e erosivo apresentam maior incidência de transformação maligna. As localizações mais comuns são a língua, a gengiva e a mucosa jugal.14,26-28

Avanço nas pesquisas relacionadas à carcinogênese tem demonstrado utilidade para o estudo do risco de malignização do LPO. Lesões não displásicas apresentam frequência diminuída da perda de heterozigotos (principais locais de supressão tumoral) quando comparadas à displasia epitelial e à hiperplasia epitelial. À medida que a displasia progride e o carcinoma se desenvolve, a frequência da perda de heterozigotos aumenta. Esses achados sugerem que o LPO não displásico é uma condição com perfil molecular e etiopatogenia diferentes. Em contraste, o LPO com displasia exibe alta frequência de perda de heterozigotos, sendo similar ao que é visto na displasia oral. Portanto, o LPO sem displasia e lesões displásicas liquenoides são entidades totalmente diferentes e separadas. A displasia aparenta ser independente do líquen plano e representa um risco de progressão do carcinoma de células escamosas.29 Mesmo assim, a Organização Mundial de Saúde classificou o LPO de forma geral como uma condição pré-cancerígena. Logo, pacientes com diagnóstico dessa doença devem ser esclarecidos quanto ao risco de desenvolvimento de câncer.4

O grande problema de estudar o potencial maligno do LPO é a falta de critérios objetivos e universalmente aceitos para o seu diagnóstico. Alguns estudos se baseiam no diagnóstico com base, apenas, em características clínicas, outros, no histopatológico e outros, em ambos. Além disso, muitas lesões diagnosticadas clinicamente e/ou histologicamente como LPO podem, em realidade, ser leucoplasias displásicas com aparência liquenoide e infiltrado inflamatório liquenoide secundário semelhante ao líquen plano (displasia liquenoide). É importante ressaltar, também, que características histológicas de displasia epitelial não são exclusivamente pré-malignas. Mudanças no padrão histológico podem ocorrer em reação a estímulos crônicos de baixa intensidade, por exemplo, na hiperplasia reacional induzida por prótese que apresenta displasia epitelial. Outro fator limitante dos estudos de transformação maligna do LPO é a falta de documentação do tabagismo associado.4,6

A importância da presença ou ausência de displasia na apresentação inicial do LPO já foi descrita em um estudo que reportou quatro casos de transformação maligna em 141 pacientes com LPO. Dos quatro casos em que ocorreu transformação maligna, a displasia esteve presente no diagnóstico inicial de três.30

O acompanhamento regular de pacientes com LPO com displasia deve ser feito a cada dois a três meses. Contudo, pacientes com lesões assintomáticas, observadas, principalmente, no tipo reticular podem ser vistos anualmente. A piora dos sintomas e a perda da homogeneidade da lesão devem ser avaliadas nos retornos do paciente. Caso isso ocorra, o acompanhamento deverá ser mais frequente e biópsias adicionais precisarão ser feitas. Para monitoração e detecção precoce de sinais de transformação, será necessário utilizar corante de azul de toluidina para escolha da melhor área de biópsias. Esse corante se liga ao DNA e a áreas da lesão com atividade mitótica intensa ou anormalidade do DNA, resultando na cor azul.4,29-31

Lesões eritroplásicas também podem ocorrer no LPO. Elas se desenvolvem em aproximadamente 1% dos pacientes e apresentam-se pontiagudas, com ligeiras depressões avermelhadas. A análise histopatológica revela, normalmente, displasia epitelial, mas algumas situações podem camuflar carcinoma de células escamosas ou lesão pré-maligna.32

Embora progressos tenham sido feitos para o entendimento do processo de malignização de lesões de LPO, a literatura ainda carece de estudos prospectivos com critério diagnóstico universalmente estabelecido.4

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Endereço para correspondência:
Alan Motta do Canto
Rua Dr. Cesário Motta Jr., 112 - Santa Cecília
01221-020 - São Paulo - SP

Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 16.03.2010.
Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None
Suporte financeiro: Nenhum / Financial funding: None

* Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.


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