Páginas

26 agosto 2010

Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial

versão impressa ISSN 1415-5419

Rev. Dent. Press Ortodon. Ortop. Facial vol.14 no.5 Maringá set./out. 2009

doi: 10.1590/S1415-54192009000500013

ARTIGO INÉDITO

Expansão cirúrgica da maxila

Surgical maxillary expansion

Eduardo Sant'AnaI; Marcos JansonII; Érika Uliam KurikiIII; Renato Yassutaka F. YaedúIV

IProfessor associado da disciplina de Cirurgia da Faculdade de Odontologia de Bauru – FOB-USP
IIEspecialista e mestre em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – FOB-USP
IIIEspecialista em Implantodontia e cirurgiã-dentista da Faculdade de Odontologia de Bauru – FOB-USP
IVProfessor doutor de Cirurgia da Universidade Sagrado Coração – USC/Bauru

Endereço para correspondência


RESUMO

Embora a expansão rápida da maxila possa ser considerada um procedimento ortodôntico eficaz e amplamente utilizado na correção da deficiência transversa maxilar em crianças e pacientes adolescentes jovens, seu prognóstico não se apresenta muito favorável na correção dessa condição oclusal em pacientes adultos ou no final da adolescência. Nesses pacientes, a correção da deficiência transversa pode ser realizada com sucesso através da intervenção cirúrgica, seja por meio da expansão assistida ou da osteotomia multissegmentada da maxila.

Palavras-chave: ERMAC. Expansão maxilar. Deficiência transversa. Adultos.


ABSTRACT

Although the maxillary expansion may be considered a orthodontic procedure efficient and widely used in the maxillary transverse deficiency correction in children and young adolescent patients, its prognostic is not very favorable in the correction of this occlusal condition in adults or patients in the adolescence end. In these patients the correction of this transverse deficiency may be successfully conducted by means of the surgical intervention, either through the assisted expansion or the multi-segmented maxillary osteotomy.

Keywords: SARME. Maxillary expansion. Transverse deficiency. Adults.


INTRODUÇÃO

A deficiência transversa da maxila é uma condição de etiologia multifatorial e, apesar da obstrução das vias aéreas superiores e hábitos parafuncionais como sucção digital e de chupeta serem considerados os fatores mais comuns, não menos importantes são o pressionamento lingual atípico, as perdas dentárias precoces e as assimetrias esqueléticas. Essa condição oclusal raramente tem resolução espontânea e necessita de diagnóstico seletivo com relação aos componentes esqueléticos e dentários envolvidos e à época de atuação22.

A mordida cruzada posterior dentária, que resulta da inclinação dos dentes posteriores e remodelação óssea alveolar, não apresenta atresia maxilar, ao contrário da mordida cruzada posterior esquelética, na qual a atresia maxilar é uma característica importante, com perda da conformação parabólica do arco superior. Essa atresia maxilar esquelética caracteriza-se, principalmente, por uma abóbada palatina em formato de ogiva, mordida cruzada posterior uni ou bilateral, dentes posteriores verticalizados, perda da conformação elíptica do arco superior, apinhamentos e rotações dentárias. Além dessas características intrabucais, podemos notar algumas características faciais como a ausência da eminência zigomática, que pode também estar associada a uma protrusão mandibular, deixando-a mais acentuada.

Desde que Angell2 utilizou a expansão rápida não-cirúrgica da maxila, obtendo resultados favoráveis na correção da deficiência transversa em crianças, esse procedimento vem sendo utilizado com sucesso por ortodontistas para a correção dessa atresia em pacientes que se encontram em fase de crescimento. Durante essa fase, a sutura palatina mediana apresenta-se com poucas interdigitações (Fig. 1) e os efeitos esqueléticos e dentários provocados pelos aparelhos expansores promovem a abertura da sutura e uma consequente expansão maxilar.

Apesar de ser um procedimento satisfatório em crianças e adolescentes, a técnica de expansão rápida não-cirúrgica apresenta falhas em pacientes adultos9,15,17,18, pois, com a maturação esquelética, a resposta às forças de expansão apresenta-se diminuída12,16,21.

Historicamente, a sutura palatina mediana foi considerada como sendo a área de maior resistência à expansão, mas Lines15, Bell e Jacobs4 demonstraram que as áreas de aumento da resistência são as suturas zigomatotemporais, zigomatofrontais e zigomatomaxilares. Soma-se a isso a diminuição da bioplasticidade óssea, que torna mais rígidos os pilares de dissipação das forças na maxila5. Nesses pacientes, quando se obtém alguma resposta6,8,19, a expansão rápida apresenta resultados instáveis, além de problemas como dor intensa após a ativação, risco de necrose da mucosa palatina, extrusão dos dentes superiores, recidiva da correção transversal e recessões gengivais5,21.

Várias osteotomias maxilares foram desenvolvidas para expandir a maxila lateralmente, em conjunto com procedimentos ortodônticos de expansão rápida1,3,4,10,11,13,14,15. Mais recentemente, demonstrou-se que apenas osteotomias nos pilares maxilares são suficientes para se conseguir a expansão7. Essas osteotomias podem, ou não, ser complementadas por uma osteotomia vestibular entre as raízes dos incisivos centrais20.

A expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente é um procedimento eficaz, mas restringe-se a pacientes que apresentam somente problemas transversais maxilares. Nos casos de deficiências em outros planos, a expansão cirurgicamente assistida pode ser realizada como um primeiro tempo cirúrgico, não dispensando a correção dos demais planos numa cirurgia posterior. Atualmente, quando a deficiência transversa da maxila associa-se a outras, o paciente pode ser submetido a um único procedimento cirúrgico, no qual essa atresia é corrigida com a osteotomia multissegmentada da maxila.

CASO CLÍNICO

Uma paciente de 32 anos de idade apresentou-se ao consultório com queixas em relação à estética facial e ao seu sorriso (Fig. 2). No diagnóstico clínico, evidenciou-se uma mordida cruzada posterior unilateral funcional e uma relação de Classe III de Angle nos caninos (Fig. 3). A paciente havia se submetido a tratamento ortodôntico prévio, no qual foram extraídos dois pré-molares superiores.

Na manipulação dos modelos de estudo detectou-se uma deficiência transversa da maxila sem associação a outras discrepâncias oclusais (Fig. 4).

Optou-se pela correção orto-cirúrgica com expansão rápida sob anestesia local, e o aparelho expansor tipo Hyrax foi instalado previamente ao procedimento cirúrgico (Fig. 5).

Procedimento cirúrgico

A cirurgia foi realizada sob anestesia local, em ambiente ambulatorial. Após a assepsia extrabucal e intrabucal, foram anestesiados os nervos infraorbitários, alveolares posterossuperiores bilaterais e nasopalatinos7. Também foram realizadas anestesias infiltrativas ao redor da base do nariz, próximo à espinha nasal anterior e na região das paredes laterais da abertura piriforme. Foram realizadas três incisões: uma incisão em forma de "V" na região anterior, preservando o freio labial; e as outras duas no fundo de vestíbulo, estendendo-se dos molares aos pré-molares de ambos os lados (Fig. 6). Após o descolamento, foram feitas osteotomias, com brocas sob refrigeração, nas paredes laterais da maxila (Fig. 7) e uma osteotomia adicional na região anterior da parede medial do nariz e na espinha nasal anterior, para orientar o cinzel na direção da região interapical dos incisivos centrais superiores (Fig. 8). Uma fratura cirúrgica foi realizada com cinzel (Fig. 9), promovendo uma abertura imediata da sutura palatina mediana. Nesse ponto, o parafuso expansor foi ativado com duas voltas completas. Clinicamente, a expansão foi evidenciada pelo diastema interincisivos centrais superiores do paciente (Fig. 10A). O aparelho permaneceu com duas voltas completas de ativação. Seguiu-se a sutura dos tecidos, sendo que, na região anterior, realizou-se uma sutura V-Y, para o controle do alargamento da base nasal e do lábio superior (Fig. 10B).

A ativação do aparelho foi retomada com três dias de pós-operatório; a paciente foi instruída a realizar ativações de 2/4 de volta pela manhã e 2/4 à noite, até que a deficiência transversal fosse sobrecorrigida até a relação de topo das cúspides palatinas superiores com as cúspides vestibulares inferiores. Após a fase ativa de expansão, o parafuso foi acrilizado e permaneceu como contenção passiva por mais quatro meses. Nesse período, foi realizada a exodontia do primeiro pré-molar inferior direito e do segundo pré-molar inferior esquerdo.

Ortodontia pós-cirúrgica

Ao final do tratamento ortodôntico, observou-se um bom relacionamento oclusal transversal e sagital, em relação de Classe I (Fig. 13).

Nota-se a remodelação do arco dentário superior, conquistada pela expansão cirúrgica e pela Ortodontia (Fig. 14), e também a modificação atingida no aspecto frontal da oclusão (Fig. 15).

Em relação ao aspecto facial, a correção da mordida cruzada anterior possibilitou a suavização do perfil facial, diminuindo a protrusão do lábio inferior e possibilitando o delineamento do sulco mentolabial, antes ausente (Fig. 16). Na figura 17, nota-se, no sorriso, um ótimo relacionamento do volume transversal dos dentes superiores, com preenchimento dos corredores bucais, compatível com a face.

DISCUSSÃO

Gostaríamos de discutir sobre as atresias de maxila aproveitando esse caso clínico. Nossa experiência clínica em 20 anos de consultório, tratando as deformidades esqueléticas dos pacientes com atresia de maxila, nos fez refletir um pouco e rever alguns conceitos do passado, com relação às indicações precisas da expansão cirúrgica da maxila. Atualmente, nosso serviço tem indicado a expansão cirurgicamente assistida de maxila usando expansor Hyrax somente em duas situações: a primeira quando só se pretende expandir a maxila e mais nada, ou seja, em pacientes com relação sagital boa e sem mordida aberta anterior; e a segunda nos casos em que se pretende corrigir sagitalmente os maxilares previamente à cirurgia ortognática, onde esta expansão será maior do que 10mm. Caso contrário, a expansão da maxila deverá ser sempre realizada utilizando-se a multissegmentação da maxila durante a cirurgia ortognática.

Em se tratando de uma expansão cirúrgica da maxila com expansor instalado, hoje utilizamos a anestesia local em 100% dos casos clínicos e essa expansão se faz exatamente como descrito no caso clínico apresentado. Acreditamos, atualmente, que a multissegmentação maxilar resolve quase todos os casos clínicos onde exista atresia maxilar, permitindo, com segurança, a correção precisa dessa atresia e o posicionamento correto dos dentes em oclusão, proporcionando uma boa estabilidade pós-operatória e facilitando o tratamento dos pacientes com palato ogival e profundo. Portanto, hoje em dia, a realização da expansão cirúrgica da maxila com o uso do expansor Hyrax, como foi feito nesse caso clínico, tornou-se um procedimento relativamente raro e pouco indicado, uma vez que a grande maioria dos pacientes que possuem atresia de maxila também possui outras discrepâncias no sentido vertical e/ou sagital nas bases ósseas da face. Muito embora hoje seja pouco indicada, a expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente apresenta-se como um procedimento tranquilo, seguro e fácil de ser realizado no consultório – com o uso dos modernos anestésicos locais –, tornando-se também um procedimento relativamente de baixo custo e aceitável para os pacientes. Nossa experiência de consultório mostra também que os pacientes social e financeiramente diferenciados não aceitam muito bem a presença do expansor no palato, preferindo, na grande maioria das vezes, a multissegmentação da maxila, visto que essa encurta o tempo do tratamento ortodôntico em, pelo menos, seis meses e evita a realização de dois procedimentos cirúrgicos no mesmo paciente (o que é mais confortável e seguro, além de menos oneroso). Hoje se sabe que arcos que foram segmentados são também demasiadamente mais fáceis de serem finalizados ortodonticamente após o tratamento cirúrgico, chegando ao extremo de alguns ortodontistas experientes preferirem sistematicamente a segmentação do arco superior não só para tratá-lo transversalmente, mas também para finalizar melhor e mais rápido os casos clínicos. No presente caso clínico foi apresentada uma paciente com má oclusão de Classe III e atresia maxilar, e perfil facial bastante favorável para o tratamento da Classe III apenas com extração de pré-molares inferiores e expansão cirúrgica da maxila. Por isso, optou-se pela anestesia local e expansão maxilar utilizando-se o expansor Hyrax. O resultado obtido comprova que, realmente, a paciente finalizou com uma oclusão em Classe I de caninos e engrenamento oclusal bastante satisfatório, demonstrando assim que a indicação para esse tipo de cirurgia foi bem escolhida.

CONCLUSÕES

A expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente é um procedimento eficaz e seguro para a correção da deficiência transversa em pacientes adultos. Entre suas vantagens, podemos citar a rapidez para obter a expansão, a segurança para correções de até 14mm e a possibilidade de uso de anestesia local, o que reduz o custo do procedimento.

Um diagnóstico correto das deficiências transversais da maxila e um plano de tratamento realizado em conjunto pelo ortodontista e pelo cirurgião bucomaxilofacial possibilitam o sucesso da correção dessas deficiências e a satisfação dos pacientes.

REFERÊNCIAS

1. ALPERN, M. C.; YUROSOKO, J. J. Rapid palatal expansion in adults with and without surgery. Angle Orthod., Appleton, v. 57, no. 3, p. 245-263, July 1987. [ Links ]

2. ANGELL, E. H. Treatment of irregularity of the permanent or adult teeth. Part 1. Dental Cosmos, Philadelphia, v. 1, no. 10, p. 540-544, May 1860. [ Links ]

3. BELL, W. H.; EPKER, B. N. Surgical-orthodontic expansion of the maxilla. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 70, no. 5, p. 517-528, Nov. 1976. [ Links ]

4. BELL, W. H.; JACOBS, J. D. Surgical orthodontic correction of horizontal maxillary deficiency. J. Oral Surg., Chicago, v. 37, no. 12, p. 897-902, 1979. [ Links ]

5. BETTS, N. J. et al. Diagnosis and treatment of transverse maxillary deficiency. Int. J. Adult Orthodon. Orthognath. Surg., Chicago, v. 10, no. 2, p. 75-96, 1995. [ Links ]

6. CAPELOZZA FILHO, L.; SILVA FILHO, O. G. Expansão rápida da maxila: considerações gerais e aplicações clínicas. In: INTERLANDI, S. Ortodontia: bases para a iniciação. 3. ed. São Paulo: Artes Médicas, 1994. cap. 20, p. 393-418. [ Links ]

7. GLASSMAN, A. S.; NAHIGIAN, S. J.; MEDWAY, J. M.; ARONOWITS, H. I. Conservative surgical orthodontic adult rapid palatal expansion: Sixteen cases. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 86, no. 3, p. 207-213, Sept. 1984. [ Links ]

8. HANDELMAN, C. S. Nonsurgical rapid maxillary alveolar expansion in adults: A clinical evaluation. Angle Orthod., Appleton, v. 67, no. 4, p. 291-308, 1997. [ Links ]

9. HASS, A. J. Rapid expansion of the maxillary dental arch and nasal cavity by opening the midpalatal suture. Angle Orthod., Appleton, v. 31, no. 2, p. 73-90, 1961. [ Links ]

10. KENNEDY, J. W. 3rd.; BELL, W. H.; KIMBROUGH, O. L. et al. Osteotomy as an adjunct to rapid maxillary expansion. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 70, no. 2, p. 123-137, Aug. 1976. [ Links ]

11. KRAUT, R. A. Surgically assisted rapid maxillary expansion by opening the midpalatal suture. J. Oral Maxillofac. Surg., Philadelphia, v. 42, no. 10, p. 651-655, Oct. 1984. [ Links ]

12. KREBS, A. Midpalatal suture expansion studied by the implant method over a seven-year period. Rep. Congr. Eur. Orthod. Soc., London, v. 40, p. 131-142, 1964. [ Links ]

13. LEHMAN JUNIOR, J. A.; HAAS, A. J. Surgical orthodontic correction of transverse maxillary deficiency. Clin. Plast. Surg., Philadelphia, v. 16, no. 4, p. 749-755, Oct. 1989. [ Links ]

14. LEHMAN JUNIOR, J. A.; HAAS, A. J.; HAAS, D. G. Surgical orthodontic correction of transverse maxillary deficiency: A simplified approach. Plast. Reconstr. Surg., Hagerstown, v. 73, no. 1, p. 62-68, 1984. [ Links ]

15. LINES, P. A. Adult rapid maxillary expansion with corticotomy. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 67, no. 1, p. 44-56, 1975. [ Links ]

16. MELSEN, B. A histological study of the influence of sutural morphology and skeletal maturation on rapid palatal expansion in children. Trans. Eur. Orthod. Soc., London, p. 499-507, 1972. [ Links ]

17. MOSS, J. P. Rapid expansion of the maxillary arch. Part I. JPO: J. Pract. Orthod., Hempstead, v. 2, no. 5, p. 165-171, 1968. [ Links ]

18. MOSS, J. P. Rapid expansion of the maxillary arch: Part II. JPO: J. Pract. Orthod., Hempstead, v. 2, no. 5, p. 215-223, 1968. [ Links ]

19. NORTHWAY, M. N.; MAEDE JR., J. B. Surgically assisted rapid maxillary expansion: A comparison of technique, response and stability. Angle Orthod., Appleton, v. 67, no. 4, p. 309-320, 1997. [ Links ]

20. POGREL, M. A.; KABAN, L. B.; VARGERVIK, K.; BAUMRIND, S. Surgically assisted rapid maxillary expansion in adults. Int. J. Adult Orthodon. Orthognath. Surg., Chicago, v. 7, no. 1, p. 37-41, 1992. [ Links ]

21. PROFFIT, W. R.; FIELDS JR., H. W. Combined surgical and orthodontic treatment. In: ______. Contemporary Orthodontics. 3rd ed. St. Louis: C. V. Mosby, 2000. cap. 22, p. 674-709. [ Links ]

22. SILVA FILHO, O. G.; VALLADARES NETO, J.; ALMEIDA, R. R. Early correction of posterior crossbite: biomechanical characteristics of the appliances. J. Pedodont., Boston, v. 13, no. 3, p. 195-221, Spring 1989. [ Links ]

Endereço para correspondência:
Eduardo Sant'Ana
Alameda Dr. Octavio Pinheiro Brizolla, nº 9/75 – Vila Universitária
CEP: 17.012-901 – Bauru/SP
E-mail: esantana@usp.br

Enviado em: julho de 2009
Revisado e aceito: agosto de 2009


Acesse original

Prevalência de más oclusões em crianças com 12 a 36 meses de idade em João Pessoa, Paraíba

Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial

versão impressa ISSN 1415-5419

Rev. Dent. Press Ortodon. Ortop. Facial vol.14 no.6 Maringá nov./dez. 2009

doi: 10.1590/S1415-54192009000600007

ARTIGO INÉDITO

Prevalência de más oclusões em crianças com 12 a 36 meses de idade em João Pessoa, Paraíba*

Prevalence of malocclusion in children aged 12 to 36 months in João Pessoa, Paraíba state

Sabrina Sales Lins de AlbuquerqueI; Ricardo Cavalcanti DuarteII; Alessandro Leite CavalcantiIII; Érika de Morais BeltrãoI

IMestre em Odontologia Preventiva Infantil pela Universidade Federal da Paraíba
IIProfessor adjunto do departamento de Clínica e Odontologia Social da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB
IIIProfessor titular do departamento de Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande/PB

Endereço para correspondência


RESUMO

OBJETIVO: verificar a prevalência de más oclusões em crianças de 12 a 36 meses de idade, de creches públicas no município de João Pessoa / PB.
MÉTODOS: a amostra constou de 292 crianças, sendo 161 meninos (55,1%) e 131 meninas (44,9%), selecionados aleatoriamente. As crianças foram examinadas nas dependências das instituições selecionadas, sob luz natural, e os dados foram registrados em um formulário pré-estruturado, sendo os exames feitos por um examinador calibrado (Kappa = 0,85), avaliando a presença de sobremordida, de sobressaliência, de mordida aberta anterior e de mordida cruzada posterior. Os dados foram analisados por meio do programa estatístico SPSS.
RESULTADOS E CONCLUSÕES: a prevalência de má oclusão na amostra foi de 40,7%, com a mordida aberta anterior presente em 35,6% das crianças, a mordida cruzada posterior em 5,1%, e sobressaliência moderada e sobremordida moderada em 35,5% e 24,7%, respectivamente. Com o desenvolvimento da oclusão, a prevalência de mordida aberta anterior aumentou, demonstrando a magnitude desse problema na primeira infância.

Palavras-chave: Epidemiologia. Má oclusão. Lactente. Pré-escolar.


ABSTRACT

AIM: This study aimed to verify the prevalence of malocclusion in children aged 12 to 36 months, attending public daycare centers in the city of João Pessoa, Paraíba.
METHODS: The sample consisted of 292 children, 161 boys (55.1%) and 131 girls (44.9%) randomly selected from various daycare centers. They were all examined in their daycare centers environments under natural illumination and the findings entered into a pre-structured form, carried out by one calibrated examiner (Kappa = 0.85), concerning overbite, overjet, anterior open bite and posterior crossbite. The data were analyzed through the statistical program SPSS.
RESULTS AND CONCLUSIONS: The prevalence of malocclusion in the sample was 40.7%, with anterior open bite detected in 35.6%, posterior crossbite in 5.1%, and moderate overjet and overbite in 35.5% and 24.7%, respectively. With the development of the occlusion, the prevalence of anterior open bite increased, with the results draw attention to the magnitude of the problem in childhood.

Keywords: Epidemiology. Malocclusion. Infant. Child, preschool.


INTRODUÇÃO

A Odontologia tem despertado para a importância da sua atuação nos níveis mais primários, desde a vida intrauterina, passando pelo recém-nascido, até a irrupção dos primeiros dentes decíduos19.

Desse modo, o odontopediatra tem a oportunidade de atuar precocemente, no sentido de prevenir possíveis desvios da oclusão, que podem se instalar logo após o nascimento, interceptando-os e restabelecendo a integridade do sistema estomatognático, para que a dentadura decídua desenvolva-se adequadamente3. Ademais, se constitui no responsável pelo primeiro diagnóstico das más oclusões9.

A porcentagem da população acometida pelos desvios morfológicos da oclusão normal é tão grande que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a má oclusão como o terceiro problema odontológico de saúde pública24. Muitas más oclusões resultam da combinação de pequenos desvios da normalidade, cada qual demasiado suave para ser classificado como anormal, mas sua combinação e persistência ajudam a produzir um problema clínico que deve ser solucionado, recuperando a integridade e o equilíbrio do conjunto3,5.

A observação da relação dos arcos dentários no período pós-natal é fundamental, uma vez que pode ocorrer um grande número de alterações relacionadas com o desenvolvimento da face. Porém, devido à dificuldade no manejo da criança nessa faixa etária e à baixa frequência de atendimento odontológico, esse grupo etário torna-se pouco explorado27.

Em uma oclusão normal, observa-se uma correspondência entre funções e adaptação e, quando há uma mudança nos músculos que envolvem os dentes, esses se movem dentro do osso até se equilibrarem novamente. Qualquer mudança na qualidade, quantidade ou ordem de contrações musculares originará sintomas clínicos, com desvios da normalidade18.

Toda má oclusão apresenta uma origem multifatorial e não uma única causa específica. Existem muitos aspectos que contribuem para a instalação dessas alterações na oclusão, que podem ser de origem congênita e hereditária ou de ordem local, funcional e ambiental2. Os fatores hereditários têm influência no crescimento e desenvolvimento do complexo craniofacial, porém ainda não se pode utilizar esses pontos para a prevenção na prática clínica, pois não é possível considerar, separadamente, os fatores hereditários e os fatores ambientais22.

Os fatores para incidência das mordidas cruzadas anteriores em crianças com dentadura decídua completa, aparentemente, são genéticos em 45,4% dos casos e pós-natais em 54,6% das situações23.

A sobremordida representa um elemento importante da oclusão, que quantifica a sobreposição da coroa dos incisivos superiores em relação aos incisivos inferiores e pode ser considerada normal quando apresenta valores entre 2 e 3mm. Quando profunda, pode causar interferência nos movimentos de abertura, protrusão e lateralidade da mandíbula durante a mastigação, além de problemas na ATM. Por outro lado, valores negativos da sobremordida podem indicar a presença de mordida aberta anterior que, quando não diagnosticada e tratada precocemente, pode levar a alterações no desenvolvimento normal da oclusão8.

Na etiologia da mordida aberta anterior, encontram-se fatores ligados a hábitos deletérios, à função ou tamanho anormais da língua, à respiração bucal, ao padrão de crescimento vertical predisponente à mordida aberta e a patologias congênitas ou adquiridas17,28. Ocorre uma diminuição gradativa da incidência da mordida aberta anterior com a idade, devido ao próprio desenvolvimento oclusal e à maturação do indivíduo, facilitando a eliminação de hábitos deletérios e o estabelecimento de uma deglutição adulta normal28.

A autocorreção da mordida aberta anterior, durante a transição da dentadura decídua para a permanente, é praticamente um consenso entre os autores revisados4,14,15,17,26. No caso da mordida cruzada posterior, no entanto, essa anomalia pode se instalar antes dos três anos de idade e, com o processo de irrupção dos dentes permanentes, dificilmente se encaminhará para uma correção21. Todavia, é sabido que a autocorreção da mordida cruzada posterior nem sempre ocorre, estando na dependência de diversos fatores, além da época de interrupção do hábito, os quais devem ser retratados: gravidade da má oclusão e padrão dentofacial, respiração bucal, instalação de hábitos acessórios e competência da musculatura peribucal25,26.

Uma mordida cruzada em uma criança jovem que possui sucção digital não significa, necessariamente, que os dentes permanentes irão irromper nessa posição14. A razão disso é que o hábito pode ser interrompido muito antes da irrupção dos pré-molares e caninos. Mesmo nos casos em que o hábito continua depois da irrupção dos primeiros molares, o efeito na posição transversal não parece ser significativo.

Assim como as demais más oclusões, a mordida cruzada posterior, se não tratada, persistirá até a maturidade oclusal24. Isso significa dizer que a atresia do arco dentário superior não se corrige espontaneamente, independentemente da persistência do fator etiológico envolvido.

É possível observar um aumento significativo das más oclusões com a irrupção dos primeiros molares decíduos e elevação da dimensão posterior6. Dessa forma, torna-se extremamente importante que a primeira visita odontológica ocorra no primeiro ano de vida, possibilitando ao odontopediatra a prevenção e o diagnóstico precoce de más oclusões na dentadura decídua em desenvolvimento.

Portanto, com base no exposto e diante da escassez de estudos internacionais e nacionais que analisem as más oclusões em crianças de pouca idade, o presente trabalho objetivou determinar essa prevalência por meio da realização de um estudo transversal, em crianças de 12 a 36 meses de idade, no município de João Pessoa (PB).

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido em creches públicas no município de João Pessoa, Paraíba. O município possui um total de 549.363 habitantes, dos quais 30.888 encontram-se na faixa etária de 12 a 36 meses de idade11. O número de creches públicas existentes no município é de 57, sendo 25 municipais e 32 estaduais. O número de crianças, na faixa etária de 12 a 36 meses de idade, matriculadas nas referidas creches é de 1.205, conforme informações da Secretaria do Trabalho e Promoção Social do Município de João Pessoa e da Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado da Paraíba.

Realizado o cálculo estatístico, utilizando-se um nível de confiança de 95% e margem de erro de 5%, verificou-se que o tamanho amostral foi de 292 crianças, distribuídas, proporcionalmente, entre as do berçário (n = 62) e as do maternal (n = 230). Adotou-se como critérios de exclusão: a presença de cáries extensas; crianças com anomalias dentárias de forma, número e tamanho; crianças com fraturas nos dentes anteriores que atingissem a borda incisal; portadores de síndromes, disfunções sistêmicas e fissura labiopalatina.

O estudo foi realizado em 15 creches municipais e 13 creches estaduais, cuja seleção deu-se por meio da técnica de amostragem aleatória simples. O valor do teste Kappa, utilizado para conferir a concordância intraexaminador, foi de 0,85, sendo considerado satisfatório. A realização deste estudo foi devidamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba.

Exame clínico

Todas as crianças foram avaliadas por um único examinador calibrado, auxiliado por um anotador. O exame clínico foi realizado com o auxílio de espelho bucal e espátula de madeira, sendo realizado no próprio local da instituição selecionada, sob luz natural. As crianças do berçário foram examinadas com o auxílio de seu responsável, enquanto as crianças do maternal foram posicionadas sentadas diante do examinador.

Para a medição da amplitude da mordida aberta anterior e da sobressaliência, utilizou-se a sonda CPI. Os dados referentes ao exame clínico foram registrados em fichas individuais específicas, previamente elaboradas. Nessa ficha, foram descritas a presença de mordida aberta anterior, mordida cruzada posterior, sobressaliência e sobremordida. Foram registradas, também, as amplitudes da sobressaliência, da mordida aberta anterior e da sobremordida.

De acordo com os elementos dentários presentes no momento do exame, as crianças foram classificadas em 4 grupos: Grupo 1 - presença de incisivos decíduos; Grupo 2 - presença de incisivos e primeiros molares decíduos; Grupo 3 - presença de incisivos, caninos e primeiros molares decíduos; e Grupo 4 - presença da dentadura decídua completa.

As relações oclusais das crianças do maternal foram observadas e mensuradas com a criança em relação habitual, sempre com o cuidado de solicitar à mesma que abrisse e fechasse a boca diversas vezes, para que pudessem ser melhor identificadas essas características. Para o exame das crianças do berçário, a relação oclusal foi obtida por meio da manipulação da mandíbula da criança pela examinadora até a posição de máximo fechamento.

Critérios diagnósticos utilizados

• Sobremordida: analisou-se a distância vertical entre a borda incisal do incisivo central superior e a borda incisal do incisivo central inferior. Foram utilizados os seguintes critérios6: topo-a-topo - as bordas dos incisivos superiores e inferiores tocavam-se no plano vertical; leve - o trespasse vertical dos incisivos superiores limitava-se ao terço incisal dos inferiores; moderada - o trespasse vertical atingia o terço médio dos incisivos inferiores; exagerada - o trespasse vertical dos incisivos superiores atingia o terço cervical dos inferiores; negativa - mordida aberta anterior, não havia trespasse vertical entre os incisivos superiores e inferiores (a medição da mordida aberta anterior foi realizada considerando-se a distância entre as bordas incisais dos incisivos superiores e inferiores).

• Sobressaliência: foi considerada como a distância horizontal entre a borda incisal do incisivo central inferior e a porção incisal do incisivo central superior mais vestibularizado, sendo adotados os seguintes critérios6: topo-a-topo (quando as bordas incisais dos incisivos superiores contatavam com as dos incisivos inferiores); leve (sobressaliência positiva não excedendo 2mm); moderada (sobressaliência positiva de 2,1 a 4mm); exagerada (sobressaliência positiva incisal maior do que 4mm) ou negativa (mordida cruzada anterior).

• Mordida cruzada posterior: foi confirmada quando existia uma relação de sobressaliência vestibular inversa dos dentes superiores, de canino a segundo molar decíduo, com os seus antagonistas inferiores10.

Análise estatística

Para a análise dos dados, foram obtidas as frequências absolutas e percentuais (técnicas de estatística descritiva) e utilizados a técnica de intervalo de confiança para a prevalência estimada de má oclusão e o teste Qui-quadrado de independência de Pearson. Nas tabelas bivariadas, foi também apresentado o valor do Odds Ratio (OR) e um intervalo de confiança para essa medida.

O nível de significância utilizado nas decisões dos testes estatísticos foi de 5%. Os dados foram digitados no Microsoft Excel® e os softwares utilizados para a obtenção dos cálculos estatísticos foram o SPSS 11.0 (Statistical Package for the Social Sciences) e o SAS 8.0 (Statistical Analysis System).

RESULTADOS

Das 292 crianças examinadas, 131 pertenciam ao gênero feminino (44,9%) e 161 ao masculino (55,1%). Quanto à faixa etária, 21,2% tinham entre 12 e 24 meses, e 78,8% possuíam entre 25 e 36 meses de idade.

Na tabela 1, são apresentados os resultados da avaliação das relações dos arcos dentários segundo a presença ou ausência de mordida aberta anterior e mordida cruzada posterior. Nessa tabela, destaca-se que 40,7% das crianças apresentavam alguma dessas más oclusões, sendo a mais prevalente a mordida aberta anterior (35,6%). A mordida cruzada posterior foi observada em 5,1% das crianças.

A tabela 2 refere-se à classificação das crianças segundo o grupo de dentes presentes no momento do exame. Observa-se que 68,2% das crianças pertenciam ao grupo 4 e, em segundo lugar, com 17,5%, ficaram as crianças do grupo 3. Os menores percentuais foram encontrados nos grupos 1 e 2 (9,6% e 4,8%, respectivamente).

A tabela 3 mostra que a prevalência de mordida aberta anterior foi de 35,6%, sendo esse percentual bastante próximo entre os gêneros (36,0% entre os meninos e 35,1% entre as meninas), sem associação significativa entre o gênero e a ocorrência de mordida aberta anterior (p > 0,05 e intervalo para OR que inclui o valor 1,00). Em relação às faixas etárias, verifica-se um percentual de mordida aberta anterior 14,5% mais elevado na faixa etária de 25 a 36 meses (38,7% versus 24,2%); e a associação entre a faixa etária e a ocorrência de mordida aberta anterior revela-se significativa ao nível de 5,0% (p <>

Dentre os valores observados para a amplitude da mordida aberta anterior, encontrou-se 0,5mm (mínimo) e 8mm (máximo), com média de 3,82mm.

O estudo da ocorrência de mordida aberta anterior segundo o grupo de dentes é apresentado na tabela 4, na qual é possível verificar que a prevalência de crianças com mordida aberta anterior foi menos elevada entre as crianças do grupo 1 e em segundo lugar, com 21,4%, entre as do grupo 2. A prevalência foi mais elevada entre as crianças do grupo 3, existindo associação fortemente significativa entre o grupo de dentes e a ocorrência de mordida aberta anterior (p <>

A tabela 5 apresenta a distribuição da amostra de acordo com a sobressaliência e a sobremordida e o grupo de dentes presentes. Nessa tabela, é possível verificar que a sobressaliência moderada apresentou maior percentual entre as crianças do Grupo 1 (42,9%). Entretanto, para a sobremordida moderada, o maior percentual foi registrado entre as crianças do Grupo 4 (27,1%).

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos neste estudo foram semelhantes aos relatados na literatura6,12,20,27 no que diz respeito à prevalência da mordida aberta anterior e da mordida cruzada posterior (Tab. 1). No entanto, discordam dos encontrados por Karjalainen et al.13, que encontraram proporções equivalentes entre essas más oclusões.

Com relação à sobremordida (Tab. 1), as crianças apresentaram uma maior prevalência de mordida aberta anterior (35,6%), seguida da sobremordida moderada (24,7%) e da leve (23,3%). A sobremordida exagerada e a topo-a-topo representaram menores percentuais (15,4% e 1,0%, respectivamente). Tais resultados diferem dos observados por Castro et al.6, que verificaram ser a sobremordida exagerada a mais prevalente, com 26,6%. A prevalência de mordida aberta anterior, nesse estudo, foi maior do que a encontrada por Nanda et al.16, que foi de apenas 2,75%. Entretanto, para as demais classificações da sobremordida (leve, moderada, severa e topo-a-topo), os resultados foram compatíveis. Na presente pesquisa, foram encontradas frequências menores, entretanto com igual ordem de acometimento.

Ainda na tabela 1, observa-se que a sobressaliência moderada foi a mais prevalente (35,5%). A do tipo exagerada e a leve foram verificadas em 33,4% e 29,7%, respectivamente. Em apenas três crianças (1,0%), verificou-se a sobressaliência do tipo topo-a-topo e a mordida cruzada anterior em apenas uma (0,3%), resultados bastante diferentes dos relatados na literatura16. Crianças com sobressaliência leve (até 2mm) representaram 89,5% da amostra. A sobressaliência moderada foi encontrada em 7,5% das crianças e a severa em 0,5% delas.

A amplitude da sobressaliência foi descrita por diversos autores6,13, variando de 26,0% a 38,8% para a sobressaliência moderada e leve. Esses resultados são compatíveis com os obtidos na presente pesquisa.

Não foram observadas diferenças entre os gêneros nem ocorrência de mordida aberta anterior (Tab. 3).

No tocante à amplitude da mordida aberta anterior, a média obtida nesse estudo foi maior do que a descrita por Adair et al.1, que variou de 0,41 a 0,81mm.

Com relação à prevalência de crianças com mordida aberta anterior e o grupo de dentes presentes, observou-se que a mesma foi menos elevada entre as crianças do grupo 1, existindo associação fortemente significativa entre o grupo de dentes e a ocorrência de mordida aberta anterior (Tab. 4). Esses resultados concordam com os existentes na literatura6,7,27, que reportaram uma maior prevalência de mordida aberta anterior em relação à fase de desenvolvimento da dentadura decídua, observando um aumento significativo das más oclusões com a irrupção dos primeiros molares decíduos e elevação da dimensão posterior. Talvez essa associação explique por que as crianças da faixa etária de 25 a 36 meses apresentaram maior prevalência de mordida aberta anterior.

Considerando-se a epidemiologia das más oclusões, pode-se dizer que a população pesquisada apresentou uma alta prevalência de mordida aberta anterior e uma baixa prevalência de mordida cruzada posterior. Além disso, a associação entre a fase de desenvolvimento da dentadura decídua, no que se refere à irrupção dos elementos dentários, e a presença de mordida aberta anterior confirma a necessidade de um monitoramento precoce da oclusão de crianças de pouca idade3, para que possa ser estabelecido em programa de prevenção aos desvios da oclusão.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados, pode-se perceber a necessidade de implantação de programas de prevenção e controle de más oclusões direcionados a crianças de faixas etárias menores, incluindo a orientação aos pais, com o objetivo de diminuir a prevalência de más oclusões já na primeira infância, para que essas alterações sejam interceptadas precocemente e não evoluam para as dentaduras subsequentes.

REFERÊNCIAS

1. ADAIR, S. M.; MILANO, M.; DUSHKU, J. C. Evaluation of the effects of orthodontic pacifiers on the primary dentitions of 24- to 59-month-old children: Preliminary study. Pediatr. Dent., Chicago, v. 14, no. 1, p. 13-18, Jan./Feb. 1992. [ Links ]

2. ALMEIDA, R. R. et al. Etiologia das más oclusões: causas hereditárias e congênitas, adquiridas gerais, locais e proximais (hábitos bucais). R. Dental Press Ortodon. Ortop. Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000. [ Links ]

3. AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRIC DENTISTRY. Guideline on management of the developing dentition and occlusion in pediatric Dentistry. Pediatr. Dent., Chicago, v. 27, no. 7, p. 143-155, 2005-2006. Suppl. 7. [ Links ]

4. ARAVENA, P.; ALVAREZ, F.; ROIZEN, S. Efecto del mal hábito de succión en la dentición en niños. Pediatr. Día, Santiago, v. 14, n. 5, p. 269-272, nov./dic. 1998. [ Links ]

5. CAMARGO, M. C. F. Programa preventivo de más oclusões para bebês. In: GONÇALVES, E. A. N.; FELLER, C. Atualização na clínica odontológica. São Paulo: Artes Médicas, 1998. p. 405-440. [ Links ]

6. CASTRO, L. A. et al. Estudo transversal da evolução da dentição decídua: forma dos arcos, sobressaliência e sobremordida. Pesqui. Odontol. Bras., São Paulo, v. 16, n. 4, p. 367-373, out./dez. 2002. [ Links ]

7. CHARCHUT, S. W.; ALLRED, E. N.; NEEDLEMAN, H. L. The effects of infant feeding patterns on the occlusion of the primary dentition. J. Dent. Child., Fulton, v. 70, no. 3, p. 197-203, Sept./Dec. 2003. [ Links ]

8. DI NICOLÓ, R. et al. Desenvolvimento da sobremordida nas dentições decídua, mista e permanente. J. Bras. Ortodon. Ortop. Facial, Curitiba, v. 6, n. 31, p. 31-34, jan./fev. 2001. [ Links ]

9. FERREIRA, S. L. M. et al. Dinâmica do crescimento ântero-posterior da mandíbula: aplicações em Odontopediatria. J. Bras. Odontopediatr. Odontol. Bebê, Curitiba, v. 2, n. 10, p. 411-418, nov./dez. 1999. [ Links ]

10. FOSTER, T. D.; HAMILTON, M. C. Occlusion in the primary dentition: Study in children at 2½ to 3 years of age. Br. Dent. J., London, v. 126, no. 2, p. 76-79, 1969. [ Links ]

11. IBGE. Cidades@. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=250750#>. Acesso em: 23 mar. 2004. [ Links ]

12. INFANTE, P. F. An epidemiologic study of finger habits in preschool children, as related to malocclusion, socioeconomic status, race, sex, and size of community. ASDC: J. Dent. Child., Chicago, v. 43, no. 1, p. 33-38, 1976. [ Links ]

13. KARJALAINEN, S. et al. Association between early weaning, non-nutritive sucking habits and occlusal anomalies in 3-year-old Finnish children. Int. J. Paediatr. Dent., Oxford, v. 9, no. 3, p. 169-173, Sept. 1999. [ Links ]

14. LARSSON, E. The effect of dummy-sucking on the occlusion: A review. Eur. J. Orthod., Oxford, v. 8, no. 2, p. 127-130, May 1986. [ Links ]

15. MILORI, S. A. et al. Remoção dos hábitos bucais sucção de polegar e chupeta: avaliação da efetividade de diferentes métodos terapêuticos. Rev. Gaúcha Odontol., Porto Alegre, v. 43, n. 5, p. 284-288, set./out. 1995. [ Links ]

16. NANDA, R. S.; KHAN, I.; ANAD, R. Age changes in the occlusal pattern of deciduous dentition. J. Dent. Res., Chicago, v. 52, no. 2, p. 221-224, Mar./Apr. 1973. [ Links ]

17. NGAN, P.; FIELDS, H. W. Open bite: A review of etiology and management. Pediatr. Dent., Chicago, v. 19, no. 2, p. 91-98, Mar./Apr. 1997. [ Links ]

18. NOBRE, M. R. F.; VICENTE, S. P. Hábitos bucais perniciosos. Rev. Odonto, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 26-29, 1991. [ Links ]

19. PASTOR, I.; MONTANHA, K. Amamentação natural no desenvolvimento do sistema estomatognático. Rev. Odontoped. Atual. Clín., São Paulo, v. 3, n. 4, p. 185-191, out./dez. 1994. [ Links ]

20. PAUNIO, P. et al. The Finnish family competence study: The effects of living conditions on sucking habits in 3-year-old Finnish children and the association between these habits and dental occlusion. Acta Odontol. Scand., London, v. 51, no. 1, p. 23-29, Feb. 1993. [ Links ]

21. PETERS, C. F.; GAVAZZI, J. C.; OLIVEIRA, S. F. Estudo da prevalência de mordidas cruzadas na dentadura decídua: relação com hábitos de sucção. Rev. Paul. Odontol., São Paulo, v. 8, n. 2, p. 38-43, mar./abr. 1986. [ Links ]

22. ROMANO, C. J.; ABY-AZAR, R. Fatores hereditários como determinantes das más relações das bases ósseas. Rev. Paul. Odontol., São Paulo, v. 22, n. 1, p. 34-37, jan./fev. 2000. [ Links ]

23. SHUYING, L. A. Research on epidemiology of multiple anterior malocclusion of children. Int. J. Orthod., Lakewood, v. 29, no. 3/4, p. 9-11, Fall-Winter 1991. [ Links ]

24. SILVA FILHO, O. G. et al. Correção da mordida cruzada posterior nas dentaduras decídua e mista. Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent., São Paulo, v. 54, n. 2, p. 142-147, mar./abr. 2000. [ Links ]

25. SILVA FILHO, O. G.; FREITAS, S. F.; CAVASSAN, A. O. Hábitos de sucção: elementos passíveis de intervenção. Estomatol. Cult., Bauru, v. 16, n. 4, p. 61-71, out./dez. 1986. [ Links ]

26. SILVA FILHO, O. G.; GONÇALVES, R. M. G.; MAIA, F. A. Sucking habits: Clinical management in Dentistry. J. Clin. Pediatr. Dent., Birmingham, v. 15, no. 3, p. 137-156, Spring 1991. [ Links ]

27. TOLLARA, M. C. R. N. Estudo epidemiológico da prevalência de má oclusão em crianças de 5 a 35 meses de idade no município de Diadema - São Paulo, Brasil. 2001. Dissertação (Mestrado)-Faculdade de Odontologia da USP, São Paulo, 2001. [ Links ]

28. URSI, W. J. S.; ALMEIDA, R. R. Mordida aberta anterior. Rev. Gaúcha Odontol., Porto Alegre, v. 38, n. 3, p. 211-218, maio/jun. 1990. [ Links ]

Endereço para correspondência:
Alessandro Leite Cavalcanti
Av. Ingá, 124 - Manaíra
CEP: 58.038-250 - João Pessoa / PB
E-mail: dralessandro@ibest.com.br

Enviado em: janeiro de 2007
Revisado e aceito: julho de 2007

* Baseado em dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Odontologia da Universidade Federal da Paraíba


Acesse o original

25 agosto 2010

Fios ortodônticos: conhecer para otimizar a aplicação clínica

Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial

versão impressa ISSN 1415-5419

Rev. Dent. Press Ortodon. Ortop. Facial vol.14 no.6 Maringá nov./dez. 2009

doi: 10.1590/S1415-54192009000600017

TÓPICO ESPECIAL

Fios ortodônticos: conhecer para otimizar a aplicação clínica

Orthodontic wires: knowledge to optimize clinical application

Cátia Cardoso Abdo QuintãoI; Ione Helena Vieira Portella BrunharoII

IDoutora em Ortodontia pela UFRJ. Professora adjunta da disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UERJ. Coordenadora do curso de doutorado (área de concentração Ortodontia) da UERJ. Professora convidada da Faculdade de Odontologia da UFJF e da Universidad Mayor San Marcos - Lima/Peru
IIDoutora em Ortodontia pela UERJ. Professora visitante da disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UERJ

Endereço para correspondência


RESUMO

A grande variedade de fios ortodônticos presente no mercado pode gerar dúvidas quanto à melhor escolha para situações clínicas. Assim, o conhecimento das propriedades mecânicas dos mesmos facilita a escolha para aplicação do movimento ortodôntico na dependência da fase em que o tratamento se encontra. A evolução da tecnologia de manufatura dos fios e a elaboração de novas técnicas ortodônticas geraram a busca por uma melhor qualidade das ligas, a fim de torná-los biologicamente mais efetivos no que diz respeito aos dentes e tecidos de suporte. O presente artigo resume as principais características dos fios utilizados em Ortodontia, em relação ao histórico, propriedades mecânicas e aplicação clínica, de acordo com fases específicas de tratamento.

Palavras-chave: Fios ortodônticos. Propriedades mecânicas. Efeito memória de forma. Ortodontia.


ABSTRACT

The huge variety of orthodontic wires brands available in market might generate confusion as regard to the best choice for clinical application. Therefore mechanical properties knowledge about wires would help the professional to apply the best orthodontic technique depending on the treatment phase. The wires manufacturing evolution and the new orthodontic techniques proposed guided the market into the search for better quality alloys, in order to make them biologically more effective to teeth and support tissues. This paper aims to summarize some main characteristics of orthodontic wires related to their history, mechanical properties and clinical application as regard to individual phase of treatment.

Keywords: Orthodontic wires. Mechanical properties. Shape memory effect. Orthodontics.


INTRODUÇÃO

O bom ortodontista deveria possuir a habilidade manual de um artesão e o conhecimento profundo da ciência ortodôntica. Porém, o profissional poderia se questionar: " Estudar fios ortodônticos melhoraria a habilidade manual do ortodontista, ou aumentaria a sua clientela?" . Se apenas a habilidade manual bastasse, grandes artesãos seriam excelentes ortodontistas. Portanto, o conhecimento a respeito de fios ortodônticos permite ao profissional realizar movimentos mais eficientes e evitar danos aos dentes e tecidos de suporte.

A mecânica ortodôntica é baseada no princípio da acumulação de energia elástica e transformação dessa energia em trabalho mecânico, por meio da movimentação dos dentes. Cada ajuste do aparelho armazena e controla o mecanismo de transferência e distribuição das forças. Um ótimo controle do movimento dentário requer a aplicação de um sistema de forças específico, que é devidamente guiado por meio de acessórios, tais como os fios ortodônticos.

Apesar do grande número de marcas disponíveis no mercado e do grande apelo comercial, os fios ortodônticos mais utilizados atualmente se distribuem em quatro grupos básicos de ligas, sendo elas: o aço inoxidável; as ligas de níquel-titânio (NiTi) com suas variações durante o processo de fabricação (superelásticos, termodinâmicos e com adição de cobre); as ligas de beta-titânio e as estéticas de compósitos, recentemente lançadas no mercado. Portanto, torna-se imprescindível aos ortodontistas o conhecimento das propriedades mecânicas e da composição dos fios, a fim de que possam fazer a melhor escolha para o seu uso clínico.

COMO FOI A EVOLUÇÃO DOS FIOS ORTODÔNTICOS?

Época do ouro

Desde quando os primeiros profissionais vislumbraram a possibilidade de promover a movimentação dentária, essa era obtida pelo apoio dos dentes nos fios. Edward Angle foi, indubitavelmente, o patrono da Ortodontia mundial. A especialidade foi a primeira reconhecida pela Odontologia e comemorou 100 anos no congresso da American Association of Orthodontists (AAO), em Chicago/EUA, no ano de 2000.

Inicialmente, em 1887, Edward Angle utilizava ligas de níquel-prata para acessórios ortodônticos. Posteriormente, as substituiu pelas ligas de cobre, níquel e zinco, sem prata. Finalmente, as ligas de ouro passaram a ser as de sua escolha18.

Até o início da década de 1930, a liga de ouro (tipo IV) foi a mais empregada na fabricação de acessórios ortodônticos. O ouro de 14 a 18 quilates foi rotineiramente utilizado, naquela época, para fios, bandas, ganchos e ligaduras, assim como as bandas e os arcos de irídio-platina. A vantagem das ligas de ouro residia no fato de serem tratadas termicamente, de forma a variar sua rigidez em cerca de 30%, e possuírem excelente resistência à corrosão18.

No Brasil, as ligas de ouro foram utilizadas pelos pioneiros da Ortodontia brasileira, professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, até o início da década de 1950 (Fig. 1).

A chegada do aço

Os aços inoxidáveis foram introduzidos na Ortodontia em 1929, quando a empresa americana Renfert Company começou a vender fios dessa liga, produzida pela empresa alemã Krupp2.

No Congresso da AAO de 1931, Norris Taylor e George Paffenbarger introduziram o aço como substituto ao ouro, alegando possuir maior resiliência e menor possibilidade de rompimento sob tensão. Em 1933, o fundador da empresa Rocky Mountain, Archie Brusse, sugeriu o primeiro sistema de aplicação clínica do aço inoxidável em Ortodontia, durante o encontro da Sociedade Americana, na cidade de Oklahoma. A partir de então, a rivalidade entre o ouro e o aço se iniciou formalmente. Fatores econômicos, indubitavelmente, influenciaram, em todo o mundo, esta vasta aceitação do aço em relação ao ouro18.

No Brasil, o aço inoxidável passou a ser utilizado para acessórios ortodônticos no final da década de 40. Até essa época, os aparelhos ortodônticos fixos eram ainda confeccionados em ouro. A disciplina de Ortodontia da Universidade Federal do Rio de Janeiro criou o curso pioneiro na especialidade no Brasil. Em 2008, completou 50 anos, e seu fundador foi o Professor Dr. José Édimo Soares Martins - patrono da Ortodontia brasileira30.

As ligas de cobalto-cromo

Foi a Elgin Watch Company que, na década de 40, desenvolveu a liga de cobalto-cromo composta por cobalto (40%), cromo (20%), prata (16%) e níquel (15%), primeiramente utilizada na fabricação de molas para relógios. Na década de 60, as ligas de cobalto-cromo foram introduzidas na Ortodontia e patenteadas como Elgiloy®, pela Rocky Mountain Orthodontics18.

Essas apresentam propriedades mecânicas semelhantes às do aço inoxidável e, para fios com iguais dimensões, geram forças de magnitude semelhante18. Entretanto, para que se possa utilizar seu pleno potencial de resposta, torna-se necessário realizar tratamento térmico após a confecção de dobras, antes de se amarrar o fio aos braquetes. A maioria dos ortodontistas nunca explorou essa liga no seu total potencial e muitas vezes sequer conseguem distingui-las das de aço, devido à semelhança física entre as mesmas.

Alguns anos depois, novas ligas surgiram

A liga de beta-titânio

As ligas de beta-titânio são constituídas de titânio e, quando submetidas ao tratamento térmico, apresentam alteração no rearranjo estrutural de seus átomos, sendo referidas como ligas de titânio em fase " beta" 11.

A liga de beta-titânio tem sido utilizada como material estrutural desde 1952. Porém, até 1979, a tecnologia de trefilação não permitia a fabricação de fios com secções transversais compatíveis com as aplicadas em Ortodontia. Em 1977, a fase beta do titânio foi estabilizada à temperatura ambiente18.

As primeiras aplicações clínicas dessa liga para a Ortodontia ocorreram na década de 80, quando uma forma diferente de titânio, chamado " de alta temperatura" , foi sugerida. A partir de então, ganharam vasta aceitação clínica e popularidade, sendo comercialmente disponibilizados como " TMA" (titanium molybdenum alloy) e, durante muitos anos, apenas uma empresa possuía o direito de fabricação. Atualmente, o mercado oferece um maior número de marcas comerciais11.

As ligas de níquel-titânio (NiTi)

Em 1963, as ligas de níquel-titânio foram desenvolvidas no Laboratório Naval Americano, em Silver Springs - Maryland, pelo pesquisador Willian Buehler. Ele observou pela primeira vez o chamado " efeito memória de forma" desse material. Não havia ainda aplicação dessa liga na Ortodontia11,23.

Em 1972, a Unitek Corporation produziu essa liga para uso clínico, sob o nome comercial de Nitinol®, composta por 55% de níquel e 45% de titânio, numa estrutura equiatômica3. Entretanto, naquela época, a liga não possuía efeito memória de forma ou superelasticidade. Mesmo assim, foi considerada como um avanço para a obtenção de forças leves sob grandes ativações. Em 1976, várias marcas de fios de níquel-titânio foram colocadas no mercado ortodôntico e os mesmos foram caracterizados como materiais de alta recuperação elástica e baixa rigidez, ganhando vasta aceitação clínica por essas propriedades. Não apresentavam, entretanto, efeitos de termoativação nem superelasticidade.

A evolução das ligas de níquel-titânio

As ligas superelásticas de níquel-titânio

Em 1985, foi relatado o uso clínico e laboratorial de uma nova liga superelástica de níquel-titânio, chamada " Chinese NiTi" , desenvolvida especialmente para aplicações em Ortodontia. O termo " superelasticidade" ainda não havia sido empregado até aquela época. O fio de níquel-titânio chinês foi o primeiro a exibir potencial superelástico. Originalmente desenvolvido na China, e posteriormente tendo suas propriedades melhoradas, foi relatado que tal fio possuía maior recuperação elástica e menor rigidez que o de níquel-titânio convencional de mesma secção transversal, além de menor deformação permanente após flexão. A partir daí, vários estudos foram conduzidos na tentativa de se produzir fios ortodônticos com propriedades similares, sendo esse objetivo alcançado em 1986, com a introdução do " Japanese NiTi" . Essas ligas foram produzidas pela GAC (GAC Int., NY, EUA) sob o nome comercial de Sentalloy6,8,24.

As ligas termodinâmicas de níquel-titânio

As ligas termodinâmicas de níquel-titânio surgiram, para fins comerciais, na década de 90. Além das propriedades de recuperação elástica e resiliência dos fios superelásticos, os fios de níquel-titânio termodinâmicos possuem a característica adicional da ativação pela temperatura bucal1.

Os fios de níquel-titânio gradualmente termodinâmicos

Na década de 90, surgiram no mercado os fios de níquel-titânio gradualmente termodinâmicos, por existir um consenso que a resposta dentária à aplicação de força e à quantidade de movimento dentário obtida são dependentes da área da superfície do periodonto. Isso significa que um arco ideal não só deve gerar forças constantes e suaves, como também ser capaz de variar o nível de força de acordo com a área periodontal envolvida. Dessa forma, é necessário que ocorra a variação da força gerada, em um mesmo fio, nos diferentes segmentos do arco. O nível de força aplicada é graduado através de toda a extensão da parábola, de acordo com o tamanho dos dentes do paciente18.

Ligas de níquel-titânio com adição de cobre (CuNiTi)

Em meados da década de 90, os fios de níquel-titânio com adição de cobre (CuNiTi) surgiram no mercado. Os mesmos são compostos, basicamente, por níquel, titânio, cobre e cromo. Devido à incorporação de cobre, apresentam propriedades termoativas mais definidas do que os fios superelásticos de NiTi, e permitem a obtenção de um sistema ótimo de forças, com controle mais acentuado do movimento dentário. Foram introduzidos no mercado, pela Ormco Corporation, com três temperaturas de transição (27ºC, 35ºC e 40ºC), possibilitando aos clínicos a quantificação e aplicação de níveis de carga adequados aos objetivos do tratamento ortodôntico27.

FIOS ORTODÔNTICOS ESTÉTICOS

Como o tratamento ortodôntico estende-se por vários meses, a aparência da aparelhagem é avaliada pelos pacientes como um fator significativo a ser considerado. A demanda pela estética fez com que diversas empresas começassem a produzir, no final da década de 70, braquetes não-metálicos, de policarbonato ou cerâmicos. Atualmente, os braquetes estéticos representam uma realidade na clínica ortodôntica, oferecendo uma alternativa aos metálicos. Entretanto, o mesmo não ocorreu em relação aos fios estéticos, que foram pouco relatados na literatura ortodôntica até meados da primeira década do século XXI12,13.

Diferentes tipos de fios ortodônticos estéticos já foram lançados no mercado, tais como: fios metálicos com cobertura de teflon, fios metálicos recobertos por resina epoxídica, fios ortodônticos compostos por uma matriz à base de nylon contendo fibras de silicone para reforço, e fios ortodônticos feitos de material compósito polimérico reforçado com fibra de vidro (Fig. 2).

O quadro 1 resume, ao longo da especialidade, a evolução de materiais componentes dos fios ortodônticos.

POR QUE É IMPORTANTE CONHECER AS PROPRIEDADES MECÂNICAS DE FIOS ORTODÔNTICOS?

Muitos ortodontistas escolhem determinados fios ortodônticos com base em impressões clínicas. O ideal, entretanto, seria que a utilização deles estivesse diretamente relacionada ao conhecimento de suas propriedades mecânicas.

Na época em que a grande maioria dos ortodontistas utilizava apenas arcos de aço inoxidável com módulos de elasticidade praticamente idênticos para o mesmo diâmetro, a ferramenta mais comumente utilizada para dosar a quantidade de força aplicada era a variação da secção transversal do fio. Com a introdução de novas ligas no mercado que apresentam diferentes propriedades mecânicas, assim como ligas de níquel-titânio e beta-titânio, o ortodontista passou a dispor de variáveis adicionais para obter o controle sobre a magnitude da força aplicada4.

A sequência tradicional de arcos, considerando-se um mesmo material, oferecia valores de carga-deflexão progressivamente maiores na medida em que a secção transversal do arco era aumentada. Porém, a variação no diâmetro do fio também causava variação na folga entre o fio e o slot do braquete. Utilizando-se arcos de secção transversal reduzida, a folga excessiva poderia levar a uma falta de controle sobre o movimento das coroas e raízes dentárias. Ao se empregar materiais que apresentam diferentes módulos de elasticidade, o ortodontista pode determinar o quanto de folga ele deseja entre o fio e o slot do braquete, reduzindo o número de arcos necessários para o alinhamento4.

A possibilidade de utilizar arcos de secção transversal retangular com módulos de elasticidade adequados para a fase de alinhamento e nivelamento dentários oferece ao ortodontista a capacidade de manter controle sobre a posição radicular mesmo durante as fases iniciais do tratamento. Ainda assim, existem situações nas quais os fios de secção transversal circular são a melhor escolha, como nos casos em que se deseja movimentos de primeira e segunda ordens ou uma redução do atrito4.

As propriedades elásticas de cada arco indicam a fase do tratamento mais recomendada para o mesmo. Nenhum arco é o melhor para todas as fases. Não existe arco considerado ideal17.

O alinhamento e o nivelamento dos dentes constituem a fase clínica preliminar mais importante do procedimento ortodôntico com aparelhagem fixa. Autores são unânimes em reconhecer que forças leves e contínuas são desejáveis para produzir movimento dentário eficiente, controlado e fisiológico, com um mínimo de repercussão para os dentes e tecidos de suporte15,23.

O QUE É RESILIÊNCIA?

Na fase inicial de tratamento, a resiliência é uma propriedade mecânica importante a ser considerada pelo ortodontista. A resiliência do fio é a capacidade que o mesmo possui de armazenar energia quando deformado elasticamente, e de liberá-la quando descarregado25. Representa o trabalho armazenado disponível no fio para mover os dentes durante a desativação.

O QUE É MÓDULO DE ELASTICIDADE?

O módulo de elasticidade (rigidez) é outra propriedade que influencia no sucesso de determinada fase do tratamento. Pode ser definido como a medida da rigidez do material. É determinado pelas forças de ligação entre os átomos. Como essas forças são constantes para cada estrutura metálica, o módulo de elasticidade é uma das propriedades mais constantes dos metais29. Clinicamente, representa a magnitude da força necessária para se fletir ou dobrar o fio. Na tentativa de se aperfeiçoar o ambiente biológico para a movimentação dentária e minimizar o desconforto do paciente, o início do tratamento requer fios de baixa rigidez, para produzir força mais leve e constante durante o tempo de desativação do arco. Entretanto, durante a fase de finalização, fios mais rígidos (com maior módulo de elasticidade) deveriam ser utilizados, a fim de conter os movimentos obtidos em fases anteriores do tratamento27.

O QUE É LIMITE ELÁSTICO?

O limite elástico refere-se à carga de trabalho permitida e é a maior tensão que pode ser aplicada a um fio sem que ocorra deformação permanente. É a tensão além da qual ocorre a deformação plástica e o material não retorna mais à sua forma original. Um alto limite elástico é desejável para impedir que forças mastigatórias aplicadas ao fio induzam a deformação plástica ou fratura dos mesmos28.

QUAL O SIGNIFICADO DE CONFORMABILIDADE, SOLDABILIDADE E ATRITO?

A conformabilidade refere-se à habilidade dos fios em serem dobrados em configurações desejáveis sem fraturar ou deformar permanentemente, enquanto a soldabilidade se relaciona à capacidade do material de receber solda e fixação de auxiliares. As ligas de aço inoxidável podem receber soldas facilmente10.

Para se obter menor resistência ao movimento dentário e uma melhor resposta ao comando dado nas dobras dos fios ou na pré-angulação dos braquetes, a fricção ou atrito dos fios sobre os braquetes não deveria existir7.

QUAL A IMPORTÂNCIA DA BIOCOMPATIBILIDADE?

Pelo fato dos fios ortodônticos manterem proximidade com a mucosa bucal por períodos longos de tempo, precisam ser resistentes à corrosão, não devem permitir a liberação de íons na cavidade bucal e nem gerar respostas alérgicas. Ou seja, o fio deve apresentar biocompatibilidade com os tecidos bucais22.

O QUE É EFEITO MEMÓRIA DE FORMA?

Nos materiais convencionais, quando se ultrapassa o limite de escoamento, ao se retirar a carga aplicada, o material apresentará uma deformação permanente da rede cristalina, traduzida pela mudança macroestrutural da forma (Fig. 3). Porém, nas ligas com " efeito memória de forma" , ocorre reversão das dimensões iniciais após a deformação plástica e reaquecimento. É como se o material " lembrasse" da sua forma original. Tal efeito é chamado " Efeito Memória de Forma" e a liga que possui essa propriedade é chamada " liga com efeito memória de forma" . Esse fenômeno caracteriza-se pelo acúmulo constante de força no fio até um determinado ponto da deformação. Da mesma forma, quando o fio retorna à sua configuração original ao ser desativado, as forças permanecem constantes durante longo período de tempo, o que é clinicamente requerido para a obtenção de movimento dentário fisiológico28.

Apenas as ligas de níquel-titânio apresentam essa propriedade, aplicável em Ortodontia. Sabe-se que existe uma relação entre o " efeito memória de forma" e a chamada " transformação martensítica" , que pode ser definida como a mudança na estrutura cristalina que fios de níquel-titânio exibem ao serem amarrados aos braquetes. Entretanto, há uma tendência dos mesmos retornarem à estrutura cristalina original, o que provoca o retorno à forma original do fio como se jamais tivesse recebido deflexões28. Se a transformação martensítica for causada pela carga aplicada ao fio, o mesmo pode ser chamado de superelástico. Se o retorno à estrutura cristalina for induzido pelo calor da boca, o fio exibe a propriedade de termoativação.

COMO APLICAR, NA PRÁTICA, O CONHECIMENTO SOBRE FIOS ORTODÔNTICOS?

Em que situações se deve optar pelas ligas de aço inoxidável?

Os aços inoxidáveis austeníticos 18-8 dos tipos 302 e 304 são os utilizados em Ortodontia9.

Para a fase de alinhamento e nivelamento dentário, mesmo fios de aço de menor secção transversal resultam em altas cargas, o que não é condizente com níveis fisiológicos de forças. Nessa etapa do tratamento ortodôntico, o uso de fios de aço é possível com a incorporação de alças, para aumentar a faixa de ativação do fio e " camuflar" a baixa resiliência e a alta rigidez do material. A desvantagem do uso de alças é que essas estão sujeitas à perda da forma original, alterando a direção dos vetores de força. Podem, ainda, dificultar a higienização, por reterem alimentos. Se não forem bem posicionadas, podem provocar lesões nos tecidos moles adjacentes (Fig. 4, 5).

Assim, na fase de alinhamento, os fios de aço inoxidável necessitam de incorporação de dobras para aumento da quantidade de fio no espaço interbraquetes, distribuindo as forças e compensando a baixa resiliência, quando comparado a outras ligas. Fios de aço reto não estariam, portanto, indicados para as fases iniciais de tratamento sem confecções de alças6.

Os fios de aço oferecem excelente resistência à corrosão16 e apresentam maiores limite elástico e módulo de elasticidade, tornando-se mais vantajosos do que os de outras ligas - principalmente em condições nas quais fios mais rígidos são necessários, como nas fases de fechamento de espaços e de finalização (Fig. 6). Tais indicações se aplicariam tanto à técnica Edgewise quanto à do arco reto (Straight-wire). Os fios de aço apresentam excelente soldabilidade e conformabilidade e, de todas as ligas utilizadas em Ortodontia, são os que exibem menor coeficiente de atrito.

A vantagem de se utilizar o aço ao início do tratamento, mesmo com alças, reside no fato desse permitir maior controle da forma do arco, evitando expansões e projeções dentárias indesejáveis, além do custo financeiro incomparavelmente mais baixo.

Em que situações se deve optar pelos fios multifilamentados de aço inoxidável?

Uma maneira de se aplicar fios de aço inoxidável na fase inicial de alinhamento e nivelamento dentário, sem a necessidade de confecção de alças, está na utilização de fios multifilamentados de aço. Os mesmos têm propriedades mecânicas que diferem bastante daquelas do aço convencional, composto de um único filamento, mesmo quando são comparados diâmetros próximos19.

Os fios multifilamentados de aço podem ser trançados, torcidos ou coaxiais. Todos apresentam propriedades semelhantes e excelente potencial para se iniciar o tratamento ortodôntico27.

A recuperação elástica do fio multifilamentado é 25% maior do que a do aço convencional de diâmetro equivalente19. A rigidez dos segmentos interbraquetes é muito menor do que a dos fios de aço convencional com mesmo diâmetro16.

Ao se comparar fios de aço inoxidável convencionais com os multifilamentados de semelhante diâmetro, pode-se afirmar que os últimos apresentam a quinta parte do módulo de elasticidade e uma faixa de ativação de cento e cinquenta a duzentas vezes maior quando comparados aos primeiros.

Os fios multifilamentados de aço apresentam algumas propriedades mecânicas semelhantes às dos de níquel-titânio27.

A resiliência dos fios multifilamentados é considerada alta, entretanto, o baixo limite elástico os torna suscetíveis à deformação, plasticamente, por forças externas, tais como as de mastigação16,20.

Quando submetidos à mesma tensão, exibem um grau muito mais alto de deformação permanente do que fios de níquel-titânio24.

Muitas vezes, o profissional, com a finalidade de ganhar tempo de atendimento, deixa de contornar fios multifilamentados de acordo com as distâncias intercaninos e intermolares, bem como com a forma e largura do arco do paciente. Ainda que apresentando menor conformabilidade do que o fio de aço convencional, os multifilamentados aceitam contornos e dobras, tais como ômegas para amarração posterior, evitando-se a projeção dentária. Lançar mão dessa possibilidade otimiza a ação do fio.

QUANDO SE DEVE UTILIZAR AS LIGAS DE BETA-TITÂNIO?

As ligas de beta-titânio possuem maior resiliência do que o fio de aço de mesma secção transversal, e aproximadamente o dobro da rigidez do fio de níquel-titânio. Porém, apresentam menos do que a metade do módulo de elasticidade dos fios de aço inoxidável e propriedade de soldabilidade. Portanto, assim como os fios de aço, aceitam soldas de ganchos e demais acessórios, porém, com maior dificuldade, e apresentam excelente conformabilidade11. Dessa forma, alças podem ser confeccionadas para fechamento de espaços ou movimentações dentárias específicas, com geração de cargas bem inferiores aos semelhantes desenhos de alças confeccionadas em aço (Fig. 7). Geram maior fricção do que os fios de aço, porém menor atrito do que os fios de NiTi. Sua aplicação clínica ideal se daria em situações onde a devolução de carga fosse mais suave do que as produzidas pelas ligas de aço inoxidável, nas quais rigidez e conformabilidade sejam necessárias, tais como em estágios intermediários de tratamento, como os de fechamento de espaços. Além disso, se apresentam como a solução ideal para pacientes que possuem hipersensibilidade ao cromo e ao níquel, presentes na composição das demais ligas metálicas ortodônticas5,11.

QUANDO SE DEVE UTILIZAR LIGAS DE NÍQUEL-TITÂNIO?

Para a fase de alinhamento e nivelamento dentário, as ligas de níquel-titânio (NiTi) apresentam propriedades extremamente interessantes. As propriedades únicas inerentes a essas ligas são o alto limite elástico, o baixo módulo de elasticidade (baixa rigidez) e a alta resiliência. Podem sustentar uma deflexão muito ampla e retornar à sua forma original com a produção de forças moderadas e uniformes. Tanto os fios NiTi superelásticos quanto os termoativáveis e os com adição de cobre apresentam maior resiliência e menor rigidez que as demais ligas. Isso significa que, para a transmissão de forças leves e contínuas, mesmo diante de grandes flexões, são os mais indicados15 (Fig. 8).

Os fios NiTi permitem ganho de tempo de atendimento ao paciente, por evitar a confecção de alças ou dobras auxiliares de nivelamento e alinhamento, e podem permanecer ativos na cavidade bucal por um longo período de tempo. Possuem baixa conformabilidade e não aceitam dobras, sob pena de fratura. Dessa forma, recursos adicionais devem ser utilizados para que stops possam ser adquiridos na região posterior, evitando-se a projeção dentária. Por não aceitarem reconformação, tais fios são vendidos em formato pré-contornado. Por isso, o profissional deve estar atento à largura original dos arcos dentários do paciente, procurando adquirir diferentes formas de arcos, que mais se adaptem ao caso. Como dobras de primeira, segunda e terceira ordens não são permitidas pela liga, devem ser utilizados prioritariamente para a técnica de Arco Reto.

As ligas de NiTi não recebem soldas e apresentam maior coeficiente de atrito com braquetes, quando comparadas às de aço. Estudos in vitro demonstraram que as ligas superelásticas de níquel-titânio possuem excelentes propriedades elásticas e geram força constante quando submetidas a carregamento, mesmo diante do aumento da deflexão. Isso tornou o fio extremamente popular para o uso em nivelamento e alinhamento dentário23.

Além das propriedades de recuperação elástica e resiliência dos fios superelásticos, os fios de níquel-titânio termodinâmicos possuem a característica adicional de serem termicamente ativáveis. Os fios de NiTi termoativados exibem efeito memória de forma induzido termicamente, apresentando maleabilidade em temperaturas mais baixas e retornando à configuração inicial, com aumento da rigidez, quando aquecidos a temperaturas próximas à bucal26.

Já os fios de CuNiTi, por serem manufaturados em três temperaturas de transição (27ºC, 35ºC e 40ºC), poderiam ser utilizados em diferentes propósitos de tratamento26, como descrito no quadro 2.

Com a introdução no mercado das ligas de CuNiTi, protocolos de tratamento ortodôntico associados a braquetes autoligáveis surgiram, preconizando tratamentos biologicamente mais compatíveis pela liberação de força mais fisiológica, bem como tempo de tratamento menos extenso.

O sistema Damon® é o mais conhecido. O mesmo preconiza, diferentemente das mecânicas convencionais, que é possível mover os dentes com acompanhamento do osso. Seria, nesses casos, a dinâmica biológica que permite a adaptação fisiológica do osso alveolar por meio do tratamento ortodôntico. Tal fato, entretanto, é extremamente controverso na literatura.

OS FIOS ORTODÔNTICOS ESTÉTICOS FUNCIONAM?

Fios metálicos com cobertura de teflon

A cobertura de teflon propicia ao fio uma coloração semelhante à de dentes e é aplicada por um processo atômico, formando uma camada sobre o fio de espessura média de 20-25µm. Essa camada passa, então, por um processo de aquecimento em uma câmara, adquirindo uma superfície com excelentes propriedades de deslizamento e adequada aderência de substrato14. Os materiais de cobertura de fios devem ter como requisitos a facilidade de aplicação em camadas finas, a resistência e o baixo coeficiente de fricção, além da necessidade de serem biocompatíveis e possuírem aspecto estético agradável, compatível com a translucidez dos braquetes estéticos e com a coloração dos dentes17. As empresas de materiais ortodônticos ainda investem na busca da cobertura ideal para os fios metálicos ortodônticos, a fim de torná-los estéticos e, ao mesmo tempo, eficientes mecanicamente. Os diferentes tipos de cobertura alteram algumas propriedades dos fios, tais como atrito e fricção. Observa-se ainda que a cobertura de teflon impede completamente o processo de corrosão do fio interno. No entanto, como os defeitos na superfície dessa cobertura podem ocorrer durante o uso clínico, a corrosão desse fio interno pode acontecer após certo tempo de uso intrabucal.

Fios metálicos recobertos por resina epoxídica

O processo de revestimento é feito 17 por meio de deposição por incrustação na base do fio por resina epoxídica de aproximadamente 0,002" . Com esse procedimento, uma forte adesão entre a cobertura e o fio interno é obtida, evitando que o fio deslize por dentro da camada de cobertura.

Propriedades mecânicas de fios estéticos recobertos foram avaliadas, comparando-se fios de NiTi metálicos com os de cobertura estética de mesmo diâmetro. Verificou-se que, quando comparados: os fios estéticos apresentaram ruptura com cargas menores que os não-recobertos; os três grupos de fios estéticos testados apresentaram as maiores extensões de patamares, mostrando superioridade em relação aos não-recobertos; o limite de trabalho para os fios não-recobertos das marcas GAC, Masel e TP, e os estéticos da GAC e Masel, acumulou maiores quantidades semelhantes de energia durante a ativação; os fios não-recobertos da TP acumularam quantidade de energia durante a ativação superior à resiliência, apresentando variações entre os grupos em função das diferentes cargas de desativação; os fios estéticos apresentam patamares de ativação significativamente mais extensos que os fios não-recobertos, demonstrando, em relação à análise dessa característica, superioridade de suas propriedades; a extensão dos patamares de desativação que os fios estéticos apresentaram é menor que nos fios não-recobertos, demonstrando superioridade de suas propriedades21.

Fios ortodônticos compostos por uma matriz à base de nylon e fibras de silicone para reforço

A única opção apresentada data do ano 2000, conhecida comercialmente como Optiflex® (Ormco Corp.), o qual era pouco indicado para uso clínico, por apresentar propriedades mecânicas inferiores às dos fios metálicos.

Fios ortodônticos feitos de material compósito polimérico reforçado com fibra de vidro

Os compósitos poliméricos são rotineiramente utilizados como materiais restauradores dentários, principalmente devido à biocompatibilidade e por suas qualidades estéticas. Essa combinação da estética e das propriedades mecânicas favoráveis estimulou a fabricação de arcos ortodônticos a partir de um polímero unidirecional reforçado com fibra. Esse arco possui a vantagem da aparência da cor do dente e propriedades de rigidez similares às de arcos metálicos. A recuperação elástica do fio de compósito deve ser suficiente para promover um movimento adequado do elemento dentário, ou seja, o fio precisa retornar à sua forma original após ser amarrado aos dentes.

Pesquisas com protótipos de arcos de compósitos sugerem que esses arcos poderiam funcionar bem durante as fases iniciais e intermediárias do tratamento ortodôntico. Resultados de pesquisas mostram que os arcos de compósito possuem um módulo de elasticidade estável. Desde 1997, estudiosos já preveem que, com a introdução de materiais compósitos estéticos, os fios metálicos provavelmente serão substituídos na maioria das aplicações ortodônticas, da mesma forma que as ligas metálicas têm sido substituídas por compósitos na indústria aeroespacial17.

Em 2003, Huang et al.13 compararam o fio compósito com o fio metálico de Ni-Ti (Reflex®, TP Orthodontics Inc.). Os resultados mostraram que a performance mecânica do protótipo foi comparável à do fio metálico.

Entretanto, algumas contraindicações relacionadas à utilização de fios estéticos podem ser citadas, tais como: fraturas transversas, fraturas de tensão com desprendimento de fibras, fraturas rentes à superfície de união polímero-fibra, fraturas de compressão proveniente de dobras localizadas nas fibras e fraturas rentes à superfície intralaminar21.

A utilização de arcos cujas dimensões podem permanecer constantes enquanto suas propriedades mecânicas são alteradas, a fim de atingir aquelas desejadas em determinada fase do tratamento, em teoria, poderia levar a uma menor quantidade de trocas de arco. Porém, para desempenhar esse papel de forma satisfatória, é preciso saber se o arco em questão apresenta a durabilidade necessária para permanecer na cavidade bucal por um período igual ou maior do que a média de permanência dos arcos utilizados até então.

CONCLUSÕES

Conhecer cientificamente os fios ortodônticos é tarefa árdua e longa. O tema, entretanto, se torna fascinante na medida em que possibilita ao profissional escolher o melhor protocolo de tratamento para o paciente, realizando tratamentos mais eficazes, mais rápidos, de menor custo e com menor possibilidade de causar danos aos dentes e tecidos de suporte. O mais importante advento do conhecimento de fios, entretanto, reside no fato de permitir ao ortodontista optar por materiais com segurança na escolha, sem se deixar influenciar apenas por recursos de propagandas.

AGRADECIMENTOS

À professora Dra. Telma Martins de Araujo, professora titular da disciplina de Ortodontia da UFBA, pela honra que nos concedeu com o convite para escrever sobre o tema. Agradecemos a oportunidade.

Aos editores da Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, especialmente o professor Dr. Jorge Faber, pelo excelente trabalho de qualidade realizado na revista.

REFERÊNCIAS

1. A clinical trial of alignment of teeth using a 0.019 inch thermal nitinol wire with a transition temperature range between 31 degrees C. and 45 degrees C. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 78, no. 5, p. 528-537, 1980. [ Links ]

2. ANUSAVICE, K. J. Ligas trabalhadas e trefiladas. In: BRANTLEY, W. A. Materiais dentários. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 602-603. [ Links ]

3. BISHARA, S. et al. Comparisons of the thermodynamic properties of three nickel-titanium orthodontic archwires. Angle Orthod., Appleton, v. 65, no. 2, p. 117-122, 1995. [ Links ]

4. BURSTONE, C. J. Variable-modulus orthodontics. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 80, no. 1, p. 1-16, 1981 [ Links ]

5. BURSTONE, C. J.; GOLDBERG, J. Beta-titanium: A new orthodontic alloy. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 77, no. 2, p. 121-132, 1980. [ Links ]

6. BURSTONE, C. J.; QIN, B.; MORTON, J. Y. Chinese NiTi wire: A new orthodontic alloy. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 87, no. 6, p. 445-452, 1985. [ Links ]

7. BUZZONI, R. Fricção superficial dos bráquetes self-ligated. 2006. Dissertação (Especialização em Ortodontia)-Faculdade de Odontologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. [ Links ]

8. CHEN, R.; ZHI, Y. F.; ARVYSTAS, M. Advanced Chinese NiTi alloy wire and clinical observations. Angle Orthod., Appleton, v. 62, no. 1, p. 59-66, 1992. [ Links ]

9. COUNCIL ON DENTAL MATERIALS AND DEVICES. New American Dental Association Specification No. 32 for orthodontic wires not containing precious metals. Council on Dental Materials and Devices. J. Am. Dent. Assoc., Chicago, v. 95, no. 6, p. 1169-1171, Dec. 1977. [ Links ]

10. FERNANDES, D. J. et al. Soldagem em Ortodontia - parte I: soldagem à prata e a ouro - uma abordagem clínico-metalúrgica. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 6, n. 4, p. 42-49, ago./set. 2007. [ Links ]

11. GOLDBERG, J.; BURSTONE, C. J. An evaluation of beta titanium alloys for use in orthodontic appliances. J. Dent. Res., Alexandria, v. 58, no. 2, p. 593-600, 1979. [ Links ]

12. HERSHEY, H. G. The orthodontic appliance: Esthetic considerations. J. Am. Dent. Assoc., Chicago, v. 117, no. 4, p. 29E-34E, 1988. [ Links ]

13. HUANG, Z. M. et al. Fabrication of a new composite orthodontic archwire and validation by a bridging micromechanics model. Biomaterials, Guilford, v. 24, no. 17, p. 2941-2953, 2003. [ Links ]

14. HUSMANN, P. et al. The frictional behavior of coated guiding archwires. J. Orofac. Orthop., München, v. 63, no. 3, p. 199-211, 2002. [ Links ]

15. KAPILA, S. et al. Effects of clinical recycling on mechanical properties of nickel-titanium alloy wires. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 100, no. 5, p. 428-435, 1991. [ Links ]

16. KAPILA, S.; SACHDEVA, R. Mechanical properties and clinical applications of orthodontic wires. Am. J. Orthod. Dentofacial Orthop., St. Louis, v. 96, no. 2, p. 100-109, 1989. [ Links ]

17. KUSY, R. P. A review of contemporary archwires: Their properties and characteristics. Angle Orthod., Appleton, v. 67, no. 3, p. 197-207, June 1997. [ Links ]

18. KUSY, R. P. Orthodontic biomaterials: From the past to the present. Angle Orthod., Appleton, v. 72, no. 6, p. 501- 512, 2002. [ Links ]

19. KUSY, R. P.; DILLEY, G. J. Elastic property ratios of a triple-stranded stainless steel arch wire. Am. J. Orthod., St. Louis, v. 86, no. 3, p. 177-188, 1984. [ Links ]

20. KUSY, R. P.; STEVENS, L. E. Triple-stranded stainless steel wires - evaluation of mechanical properties and comparison with titanium alloy alternatives. Angle Orthod., Appleton, v. 57, no. 1, p. 18-32, 1987. [ Links ]

21. MARTINS, C. C. R. Propriedades mecânicas de fios estéticos obtidas em ensaios de tração. 2007. 96 f. Dissertação (Mestrado em Odontologia)-Faculdade de Odontologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. [ Links ]

22. MENEZES, L. M.; QUINTÃO, C. A.; BOLOGNESE, A. M. Urinary excretion levels of nickel in orthodontic patients. Am. J. Orthod. Dentofacial Orthop., St. Louis, v. 131, no. 5, p. 635-638, 2007. [ Links ]

23. MIURA, F.; MOGI, M.; OKAMOTO, Y. New application of superelastic NiTi rectangular wire. J. Clin. Orthod., Boulder, v. 24, no. 9, p. 544-548, 1990. [ Links ]

24. MOHLIN, B. et al. Examination of Chinese Ni-Ti wire by a combined clinical and laboratory approach. Eur. J. Orthod., Oxford, v. 13, no. 5, p. 386-391, 1991. [ Links ]

25. O'BRIEN, W. J.; RYGE, G. An outline of dental materials and their selection. Philadelphia: W. B. Saunders, 1973. [ Links ]

26. PARVIZI, F.; ROCK, W. P. The load/deflection characteristics of thermally activated orthodontic archwires. Eur. J. Orthod., Oxford, v. 25, no. 4, p. 417-421, 2003. [ Links ]

27. QUINTÃO, C. et al. Force-deflection properties of initial orthodontic archwires. World J. Orthod., Carol Stream, v. 10, no. 1, p. 29-31, 2009. [ Links ]

28. VAN HUMBEECK, J.; CHANDRASEKARAN, M.; DELAEY, L. Shape memory alloys: Materials in action. Endeavour, Oxford, v. 15, no. 4, p. 148-1454, 1991. [ Links ]

29. VAN VLACK, L. H. Princípios da ciência dos materiais. São Paulo: E. Blücher, 1970. [ Links ]

30. VILLELA, O. V. O desenvolvimento da Ortodontia no Brasil. Rio de Janeiro: Pedro Primeiro, 1995. [ Links ]

Endereço para correspondência:
Cátia Cardoso Abdo Quintão
Avenida Rio Branco, 2.595 sala 1.204, Centro
CEP: 36.010-011 - Juiz de Fora / MG
E-mail: cquintao@acessa.com

Enviado em: abril de 2009
Revisado e aceito: setembro de 2009


Acesse o original